17 de dezembro de 2017

Da Inaudita Ausência

   Caros leitores, é com grande desagrado e desprazer meus que escrevo as palavras que lêem. Mais uma vez, estive ausente, durante muito tempo, durante demasiado tempo. O culpado, ironicamente (ou não tão ironicamente assim, posto que não posso nunca excluir a possibilidade de que ele se esteja a defender, restringindo-me o tempo que tenho livre para o criticar…), é o sistema de ensino, ou, talvez mais precisamente, a pilha enorme, abstrusa, infinita, de erros e injustiças que nele estão infiltrados. Porém, tenho a grande esperança e a firme convicção de que, nos próximos tempos, isso já não se verificará mais, e, nesse sentido, apenas vos tenho de pedir, caso ainda aí estejam, caso ainda por aí fiquem, aguardando novas minhas, que perseverem apenas um pouco mais, posto que espero em breve ter uma nova entrada para apresentar, contrariando, espero que de uma vez por todas, esta minha mais recente tendência, que é a do silêncio.

   Dir-vos-ei, portanto, até breve, e obrigado por ainda me lerem…

23 de outubro de 2017

Novas Respostas a Comentários Alheios

   Caros leitores, saúdo-vos mais uma vez após uma extensa ausência, no decurso da qual tentei incansavelmente discernir um tema, sempre, lamento dizê-lo, sem sucesso. Eis, porém, que as idiossincrasias da programação televisiva me fizeram descobrir o ciclo de conferências Fronteiras XXI, resultantes de uma parceria entre a RTP e a Fundação Francisco Manuel dos Santos (preferiria não fazer qualquer tipo de publicidade ou referência eventualmente puco recomendável do ponto de vista judicial, mas, tratando-se de um ciclo de debates, espero não haver grandes problemas…), ao abrigo do qual, no passado dia 4 de Outubro, foi emitido o programa “De Que Escola Precisamos”, que tomei a liberdade de visionar para o poder comentar aqui. Todo o intervalo entre o momento da emissão e o da publicação desta entrada se deve, em grande medida, às vicissitudes do falecimento de corpo e mente a que, já nem sei bem com que ironia, se costuma chamar vida académica, intervalo esse que lamento profundamente e que espero que os meus leitores possam compreender.

   Em primeiro lugar, uma inevitável (e, aparentemente, frequentemente ignorada…) crítica: trata-se de um programa onde se irá debater o ensino, o estado do ensino, possíveis melhoramentos do sistema de ensino, possíveis organizações alternativas do sistema de ensino, mas quem são os intervenientes no debate? Professores. Apenas professores. Da última vez que o verifiquei, havia pelo menos mais dois grupos que, por serem tão ou mais implicados em quaisquer questões do âmbito do ensino do que os professores, deveriam estar presentes: os alunos e os funcionários (além, claro, de pais e encarregados de educação, mas estes, diria, só são chamados à questão por intermédio dos alunos – se descontarmos o facto de todos os elementos da sociedade a ela deverem ser chamados…). Admito que desconheço se houve alguma espécie de convite não aceite para com algum membro dos grupos referidos (se, de facto, houve, podem considerar esta crítica como produto da minha ignorância e incompetência), mas, tanto quanto tenho vindo a verificar em programas que partilham a temática com este, não são tão frequentes quanto isso participações em sua representação, o que, para mim, indicia fortemente que, na maioria das vezes, são pura e simplesmente ignorados (como poderia suspeitar que, de algum modo, foram aqui).

   Esta queixa à parte, mais ou menos no início do programa, é abordada a temática do ensino doméstico. Devo admitir que, pela minha parte, se trata de um assunto que nunca abordei de uma forma individual, tendi sempre a aglomerá-lo na questão mais ou menos genérica das aulas à distância, e creio que por uma boa razão: é um sinal extremamente preocupante que haja pais/encarregados de educação que optam (diria que não sem razão) por tomar a seu cargo a transmissão de conhecimentos aos alunos, posto que tal acontece maioritariamente porque se reconhece, ou se crê, ou se conclui (mais uma vez, diria que não sem razão…) que o sistema de ensino não tem capacidades para o fazer. De qualquer das formas, falando dos inescapáveis Mini-Ciclos de Leccionamento, diria que seriam precisamente os mecanismos das aulas à distância que possibilitariam esta escolha, que, de resto, tenho a esperança de ser reduzida, por ser reduzida também essa incapacidade, mais real do que imputada, de o sistema de ensino ensinar…

   Depois, foi, como dificilmente poderia ter deixado de ser, mencionada a recente introdução da “flexibilidade curricular” (destaco as aspas assaz propositadas…), ao abrigo da qual as escolas vão poder decidir 25% do currículo. Sendo este um tema que já abordei especificamente, tentarei não me repetir demasiado, mas creio que nunca é de mais frisar outra vez que, do ponto de vista dos alunos, fica tudo absolutamente igual, posto que lhes continua a ser exigido que saibam estudem 100% de matéria decidida por outros. Mesmo que a decisão seja, agora, feita também a nível local, deixando em aberto a possibilidade de os alunos nela intervirem, tenho fortes suspeitas de que não serão avassaladoramente numerosos os casos em que dessa intervenção resulte verdadeiramente qualquer alteração que não se enquadrasse no que já havia sido ponderado pelos decisores burocrática e hierarquicamente vistos e tidos como mais importantes…

   Adicionalmente a isto, um pouco por todo o programa, foi amplamente abordada a velha questão do ensino para a cidadania da escola como transmissora de valores, et cætera. Já me pronunciei sobre isto antes, tal como o aspecto anterior, e, nesse sentido, preferirei remeter para a entrada em causa, mas não me custa, nem é despiciendo, destacar que, para mim, há duas componentes bastante distintas nesta questão: “em que medida é que a escola, enquanto parte integrante da sociedade, enquanto instituição formada por pessoas, deve contribuir para a formação, ética e/ou moral, dos futuros cidadãos?” e “em que medida é que a escola, enquanto local de transmissão de conhecimentos, deve contribuir para a formação, ética e/ou moral, dos futuros cidadãos?”. Se a resposta à primeira é, mais ou menos inegavelmente, positiva, a resposta à segunda, pelo menos, para mim, já não é tão clara, embora a minha análise tenha sempre tendido mais para uma resposta negativa; não defendo, de modo algum, que nos tornemos selvagens e abandonemos mais ainda quaisquer noções de ética, de moralidade, de comportamento correcto e aceitável, antes pelo contrário, mas estou em crer que a escola, enquanto escola, não deve ser o sítio principal de transmissão desse tipo de noções, também sob pena de deixarmos as portas abertas a um número ainda mais significativo de manipulações e condicionamentos, que só por lógicas e retóricas enviesadas poderíamos ver como desejáveis.

   Um outro tema mais ou menos abrangente que foi abordado (embora talvez com menor detalhe) foi o da interdisciplinaridade, apresentado um pouco no seguimento do incontornável exemplo finlandês. Dada a ideia que defendo, creio ser mais ou menos óbvio que albergo a opinião de que a divisão em disciplinas é largamente arbitrária, insuficiente para representar correctamente o conhecimento humano, e, por vezes, contraproducente para a sua compreensão; porém, a noção da interdisciplinaridade defendida (que passa, em grande medida, pela criação de projectos que se enquadrassem em mais do que uma disciplina, mantendo elas, para todos os efeitos excepto esses, as suas existências e essências separadas) não me parece imensamente coerente… A inclusão dos projectos até pode ajudar a potenciar o interesse dos alunos (admitindo que a carga horária não dificulta imensamente a sua realização e que a forma como são apresentados não corresponde ao “aqui têm mais uma coisa para fazerem” genérico que surgia, com maior frequência do que o que deveria, nas antigas disciplinas que pretendiam fomentar essa mesma interdisciplinaridade, como Formação Cívica ou Área de Projecto), e, consoante os temas, até poderia vir mesmo a ser necessário compreender as ligações entre as áreas do conhecimento em causa, mas a visão fragmentada, segmentada, seccionada do conhecimento não deixaria de se aplicar a praticamente tudo o resto, o que quer dizer que haveria, na melhor das hipóteses, apenas uma interdisciplinaridade aparente. O que é o mesmo que dizer, nenhuma interdisciplinaridade.

    De não menor importância foram as referências à necessidade de encontrar mecanismos para aferir (abster-me-ei, por razões que espero que sejam óbvias, de usar o termo “avaliar”…) até que ponto uma qualquer mudança, uma qualquer inovação no ensino é bem-sucedida. Por toda a lógica, isto faz sentido, enfim, se o objectivo é melhorar as coisas, convém garantir, dada a complexidade inerente a todos os aspectos intervencionados, que as medidas tomadas vão, de facto, no sentido pretendido, o problema está em discernir critérios apropriados para o fazer de forma completamente objectiva e, sobretudo, não tendenciosa. Por um lado, tendendo as instituições a ser maioritariamente conservadoras e resistentes à mudança, é bem possível que, a priori, a aferição seja efectuada de uma forma que beneficia o que já existe (não direi que obrigatoriamente de uma forma deliberada, pode ser simplesmente uma tendência inconsciente para o conservadorismo); por outro lado, pode acontecer que as alterações que estão a ser aferidas inviabilizem o uso, ou, no mínimo, a fiabilidade de alguns instrumentos que antes existiam e que, como tal, poderiam ser tidos como bons critérios (um exemplo concreto seria o da eventual aferição da viabilidade dos Mini-Ciclos de Leccionamento por intermédio da comparação dos resultados dos alunos deles provenientes nos exames nacionais com os dos restantes alunos: não me parece, de todo, inverosímil que as diferenças no ritmo de aprendizagem, na forma de aprendizagem, na filosofia por detrás da aprendizagem, bem como a muito menor exposição a momentos de avaliação como os exames – além da quase nula preparação específica para eles… – implicassem resultados piores, não tanto porque os alunos não soubessem as matérias em causa, mas porque não estavam tão familiarizados com a forma como lhes era pedido que demonstrassem que as sabiam). E, neste mesmo sentido, devo destacar que a confiança nos, ou dependência dos, testes PISA para efectuar análises comparativas de sistemas de ensino pode incorrer precisamente neste tipo de problemas, mais a mais porque (como vim a descobrir há não muito tempo, com alguma surpresa, mas também algum contentamento…) estes podem não ser tão isentos de falhas na sua aplicação quanto habitualmente se pensa…

Também se mencionou outro aspecto que vale a pena abordar aqui: até que ponto mudou, efectivamente, o ensino nestes últimos tempos? A opinião geral e mais ou menos consensual pareceu-me ser a de que a resposta era afirmativa, mas eu, como sempre, tenho de me atrever a discordar. É certo que se verificam algumas diferenças entre o ensino de outrora e o ensino de agora, mas não me parece muito lícito considerá-las como resultado de um processo inteiramente deliberado de alteração do sistema de ensino; afinal, houve todo um conjunto de modificações a nível social, tecnológico, científico, quando não mesmo político, e isso, por si só, promove novas maneiras de encarar a escola, novas filosofias de ensino, que, a meu ver, são capazes de originar grande parte das diferenças que se verificam. Não poderei negar que certos aspectos organizacionais, legislativos e/ou burocráticos foram, de facto, alterados, mas arriscaria dizer que essas alterações, quando considerada a totalidade do funcionamento do sistema de ensino, foram essencialmente cosméticas, marginais, insignificantes, porque todo o paradigma de ensino ficou praticamente na mesma. Portanto, em última análise, podemos dizer que o ensino permanece essencialmente inalterado. Ainda assim, há motivos (não despiciendos, devo admitir) para criticar uma certa instabilidade no ensino, no sentido em que, consoante mudam os Ministérios da Educação e/ou os governos a que pertencem, também mudam certos aspectos, certas iniciativas, certas políticas, por vezes de uma forma quase cíclica, prejudicando diversamente a capacidade do sistema de ensino para desempenhar a sua função – precisamente a de ensinar. Devo mencionar que já antes dei uma potencial solução para esta problemática, que considero digna de voltar a ser referida aqui: a criação de uma entidade oficial, estatal, mas independente do poder político, que fosse responsável precisamente por dirigir, gerir e administrar o ensino.

   Uma outra temática mais ou menos inevitável seria a do abandono escolar, que, embora não tão amplamente discutida, foi, na mesma, mencionada. O problema nessa abordagem, devo dizê-lo, foi ter sido dado um destaque muito maior às causas económicas e sociais (que, sem dúvida, existem e devem ser resolvidas – ainda que fique, pelo menos, por agora, por determinar a forma de as resolver…) do que o que foi dado às causas intrínsecas ao sistema de ensino. É certo que as primeiras são mais prementes do que as últimas, mas creio não ser ilógico pensar que, se aprender fosse uma actividade muito mais agradável do que é agora, as situações de abandono escolar seriam menos frequentes; nesse sentido, parte da culpa tem de residir sempre na estruturação do sistema de ensino, que, quod est demonstrandum, não é, de todo, ideal. Volto a dizer, a componente sócio-económica do problema não deve ser ignorada, não pode ser ignorada, não é admissível nem desejável que o seja, pelo que tem de ser resolvida, e, já que falo de questões sociais, devo destacar um comentário por parte de Maria Manuel Mota, que mencionou que a sociedade actual não dá o devido destaque e a devida importância ao conhecimento, que (já o estou a acrescentar eu) deve ser bastante .

   E, para terminar as considerações gerais, devo fazer uma de natureza indirecta: mencionou-se, com a maior das naturalidades, a desigualdade que é gerada pelas diferentes capacidades financeiras e subsequentes diferenças na capacidade de acesso a alguns meios de apoio, em particular, as explicações. Sem querer entrar em mais espinhosas reflexões acerca de gratuitidades devidas ou necessárias, e da possibilidade de certos aspectos e/ou pormenores do funcionamento do ensino estarem estruturados não tanto, ou não só, no sentido de potenciar a aprendizagem, mas sim aquilo a que cheguei a chamar O Negócio do Ensino, dificilmente poderia deixar de me questionar: será que um sistema de ensino onde uma percentagem tão significativa dos alunos recorre, mais tarde ou mais cedo, a um explicador externo para suprir as falhas na aprendizagem que se torna relativamente habitual, senão mesmo comum, falar dessa prática funciona bem? Há coisas que existem e não podem ser ignoradas, sim, mas mencioná-las natural e despreocupadamente (relativamente a elas, entenda-se, posto que a preocupação existia, mas ia noutro sentido) é basicamente o mesmo que aceitá-las, e eu muito dificilmente poderia considerar lícita a perspectiva de que não é o dever do sistema de ensino garantir a melhor compreensão possível por parte dos alunos no que toca aos conhecimentos em causa… Voltando a ser um pouco especulativo, sinto-me tentado a dizer que o facto de esta ser uma problemática muito pouco levantada quando se fala do ensino pode ser motivado pela possibilidade de haver muita gente que extrai alguma forma de conforto ou benefício da forma como as coisas estão…

   E, nesta mesma veia de afirmar algo naturalmente ser equivalente a aceitá-lo, tenho de mencionar os dois momentos em que se fez isso mesmo relativamente ao pormenor de grande parte do dia das crianças e jovens ser passado na escola (pese embora tenha havido uma comparação com o número de horas passadas na escola noutros países europeus, foi mais a forma como esse número evoluía ao longo dos anos escolares e não o número propriamente dito que foi posto em causa). Temos de compreender que muitas famílias não conseguem ter a disponibilidade temporal de cuidar dos alunos durante grande parte do dia (e/ou a disponibilidade financeira de os inscreverem num qualquer estabelecimento capaz de o fazer – acção que, de resto, não é, de todo, isenta de falhas e indesejabilidades), mas talvez fosse o dever da totalidade da sociedade garantir que todos os seus membros, e sobretudo os mais indefesos e/ou menos capazes de resolver por sua conta os problemas que possam surgir, estavam em segurança. Estou a ser utópico (mais ainda do que o habitual), bem o sei, a natureza falível do ser humano a modos que o impossibilita, mas creio não estar, de todo, equivocado se afirmar que, quanto maior o tempo passado (subentenda-se, sem necessidade e/ou sem interesse…) pelos alunos na escola, mais duvidosa a qualidade do sistema de ensino e a capacidade da sociedade em causa de cuidar dos mais novos…

   Passando, agora, a situações concretas, a dado momento, David Justino afirmou algo como “o ensino de massas permitiu escolarizar 80% da população mundial”. Sem querer incorrer na muito natural falha de cuspir no prato onde come a mão ligeiramente mordida que já nos fez passar fome da ingratidão, parece-me que, dado o rumo que o Mundo aparenta estar a seguir, se está a ver bem que tipo de resultados é que esse tipo de escolarização, tal como é, tal como foi, tem tido… Cepticismos e cinismos à parte, acaba por ficar sempre em aberto uma importante questão: desses 80% que foram escolarizados pelo ensino de massas, que porção do conhecimento que (supostamente) lhes foi transmitido, e que, como tal, lhes é oficialmente reconhecido, é que conseguiram verdadeiramente guardar? Ou, por outras palavras, que tempo e recursos não terão sido desperdiçados, devido às próprias características do ensino de massas, em exposições (por parte dos professores) e tentativas de compreensão (por parte dos alunos) que, mais tarde, vieram a resultar em pouco ou nada?

   E, para terminar, uma reacção a uma outra declaração de Maria Manuel Mota, que apontou (correctamente, devo acrescentar…) como falha grave da sociedade e do ensino o pormenor de não se acreditar que aprender é uma coisa maravilhosa. E o que queria dizer era mesmo que essa crença não existe, em grande medida, devido aos erros do sistema de ensino, que ajouja essa potencialmente agradável actividade a um sem-fim de outras obrigações, de outros actos mais ou menos burocráticos, mais ou menos sem sentido, que pura e simplesmente retiram todo e qualquer prazer a esse acto de aprender; nesse sentido, dizer que, para melhorar o ensino, se torna necessário fazer as pessoas crer que aprender é agradável é… falacioso: diria antes que, se o ensino for suficientemente melhorado, sobressairá, automática e naturalmente, aos olhos de todos, que aprender é, de facto, uma coisa maravilhosa.

   E, sendo este um pensamento que, sem grande subjectividade, poderemos considerar agradável, será, também, agora o momento ideal para dar esta entrada por terminada, até porque já me excedi bastante. Fiquem bem, contestem sempre, comentem (se quiserem), aqui ou nos Contactos, e até à próxima entrada!

14 de setembro de 2017

3

   Três. São já três os anos que completa este blog. Trinta e seis meses, sem tirar nem pôr, com a eventual excepção de umas quantas horitas de diferença entre o momento exacto da inauguração e a publicação desta entrada. Três anos, e o que aconteceu entretanto? Será isso mesmo que hoje (confesso que à falta de melhor tema…) vou abordar. Naturalmente, será inevitável que escapem ao meu radar assaz metafórico umas quantas mudanças, ou então que a minha falibilidade intrínseca me leve a descurar algumas delas, não as enumerando aqui; se assim for, e se isso constituir uma qualquer fonte de incómodo para vós, caros leitores, apresento as minhas mais sinceras desculpas, e garanto que, uma vez alertado para essa eventualidade, farei o meu melhor para corrigir a falha.

   Eis, portanto, e sem mais demoras, as diferenças no ensino que pude encontrar entre o momento da inauguração do blog e os dias de hoje:

  • Foram abolidos os exames do 4.º e do 6.º ano. Como já tenho dito, a sua substituição por provas de aferição é equivalente a trocar uma tortura potencialmente impactante por uma tortura inócua, mas poderia ser um passo em frente na direcção certa… se as coisas não tivessem ficado por aí. Acho que entendem onde pretendo chegar, certo?
  • Foi introduzida a gratuitidade dos manuais escolares do 1.º Ciclo. Correndo o risco de repetir o anteriormente afirmado, sem querer entrar em discussões políticas mais aprofundadas, e pondo de lado os eventuais impactos económico-financeiros da medida, a intenção é louvável, ainda que a sua aplicação possa não ser isenta de falhas; em particular, a reutilização de livros pode acarretar alguns problemas, razão por que consideraria mais pertinente que se optasse cada vez mais por manuais digitais em vez de físicos, como, de resto, creio que já se planeia fazer.
  • Mudaram os programas e os currículos, 25% dos quais algumas escolas puderam já alterar, ao abrigo de projectos-piloto diversos. A alteração de programas dificilmente constitui uma modificação surpreendente no estado das coisas, menos ainda quando (segundo me consta, de fonte que considero, no mínimo, razoavelmente fiável) alguns dos novos programas coincidem, pelo menos em parte, com outros que foram aplicados no passado – e num passado assim não tão recente quanto isso –, e, nalguns casos, poderão ter sido remodelados de forma tal que aumenta em vez de diminuir a confusão dos professores e, por intermédio disso, dos alunos; por outro lado, no que toca à flexibilização dos currículos, como já antes disse, é positivo que se o faça, posto que, a meu ver, flexibilizar poderá ser uma solução para uma boa parte dos problemas no ensino, mas poderemos correr o risco de subjugar demasiadamente o que é leccionado nas escolas ao que a região circundante tem para oferecer (ou pode oferecer…), uma limitação que, mesmo podendo, em certa medida, ser útil (em termos laborais, em termos da promoção do património cultural local…), não deixa de ser uma limitação e, como tal, numa situação ideal, não deveria existir.
  • E, para terminar com um ponto muito menos público que os restantes, o texto principal dos Mini-Ciclos de Leccionamento foi revisto. Como anunciado aqui, foi-lhe feita uma revisão profunda, tornando-o (esperançosamente) mais claro, mais legível, mais explícito e mais completo… ainda que isso muito pouco tenha contribuído para fazer qualquer dos melhoramentos a ele associados ocorrer, de facto. Mas nunca é tarde: a mudança, no fundo, pode sempre estar ao virar de uma esquina, e é com esta nota de esperança que pretendo saudar o novo ano que se aproxima…

   Como nota final, devo estender os meus mais sinceros agradecimentos aos múltiplos contribuidores que me permitiram efectuar esta recolha de mudanças, que foi surpreendentemente difícil. Talvez isso seja consequência da minha própria ineficácia, da minha ausência demasiado prolongada da contestação, ou talvez diga bastante acerca de como mudou o ensino em Portugal nos últimos tempos – fundamentalmente, muito pouco. Seja como for, agradeço-lhes imensamente pela ajuda, e devo frisar que quaisquer erros, falhas ou omissões provêm da minha sempre abstrusa pessoa e não das deles.

   E assim termino, de uma forma pouco habitual, esta entrada pouco habitual, esperando que o ano que agora se inicia seja recheado de muitas mais entradas do que aquelas que tenho produzido nos últimos tempos…

23 de agosto de 2017

Da Cultura na Escola

   Caros leitores, após mais uma imperdoável ausência, pude encontrar em mim um tema para aqui abordar. E, antes de prosseguir para a sua análise, gostaria de deixar um convite a quem quer que seja que ainda passe os olhos por estas palavras, para sugerirem, se os tiverem e se acharem por bem divulga-los, eventuais novos temas, pelas vias providenciadas nos Contactos, a ver se estas ausências se encurtam!

   Pois bem, já tenho mencionado abundantes vezes que um sistema de ensino tem como principal propósito transmitir conhecimentos, e até já dediquei toda uma entrada a analisar e reflectir precisamente sobre isso. Porém, um aspecto que nunca abordei directamente, ou, pelo menos, não de uma forma que considere satisfatória, foi o do conjunto de informações e conhecimentos que dizem respeito à cultura, particular ou geral, dos alunos, e que, quer queiramos, quer não, acaba por ser mais ou menos essencial para que se exista verdadeiramente como indivíduo e cidadão.

   Recorrendo às classificações genéricas e generalistas apresentadas na entrada das Perspectivas Educativas, trata-se de uma temática a que nem hippies educativos, nem burocratas totalitários se furtam, englobando-a, no primeiro caso, mais intensamente, no segundo, em menor escala, no normal decorrer do processo de ensino. Ao abrigo dos Mini-Ciclos de Leccionamento, porém, não me parece tão fácil (ou tão lícito) incluir esse tipo de conhecimentos, posto que acarretam uma visão muito mais holística do conhecimento humano (o que, diriam alguns, só demonstra uma falha dos Mini-Ciclos, e que posso eu mais fazer do que encolher os ombros e discordar respeitosamente?), que dificilmente se coadunaria com o resto do processo de ensino-aprendizagem.

   Porém, como comecei por dizer, a cultura faz falta. Que sentido faria ensinar aos alunos as Ciências, as Línguas, as técnicas das Artes, e milhentas outras coisas, mas não lhes transmitir qualquer noção emocional, instintiva, não racional do Mundo e das coisas? Seria o mesmo que criar robots (ou, para os mais desligados dos condicionalismos do mundo real, vulcanos…), e isso é fundamentalmente inadmissível. O que quer dizer que tem de haver algum tipo de garantia de que a cultura não é esquecida.

   A resposta mais importante, mas também mais imediata (e menos intrusiva no funcionamento projectado deste sistema de ensino…), seria a de que se trata de um processo que deve ocorrer essencialmente ao nível social e não escolar, e, aliás, tem sido sempre essa a solução que tenho proposto para o problema. Agora, porém, após ter reflectido mais um pouco sobre o assunto, chego à duplamente preocupante conclusão de que, por um lado, isso talvez não seja suficiente, e, por outro lado, talvez não passe de uma forma assaz confortável de desconsiderar o problema, removendo-o do âmbito do assunto em análise (que sempre foi o do ensino e não o da sociedade, como é óbvio).

   Nesse sentido, não poderei dizer que basta confiarmos naqueles que rodeiam os alunos (por outras palavras, nas suas famílias) para lhes transmitirem tudo isso, até porque poderão não ser os indivíduos mais capacitados para o fazer – nem, de resto, faz grande sentido exigir que o sejam. Porém, também não creio que possamos pura e simplesmente atirar a cultura para o meio dos conhecimentos a adquirir e dar o problema por resolvido, mais a mais porque constitui um tipo de conhecimento que dificilmente poderemos ver como… verificável, o que quer dizer que, à partida, não há grande forma de garantir que se aprendeu toda a cultura que se quis transmitir, o que quer dizer que será sempre uma componente à parte do resto do ensino. Isso não nos pode impedir, porém, de a tentar transmitir na mesma, e vejo essencialmente três vias para o fazermos.

   Em primeiro lugar, não obstante o facto de ser insuficiente basearmo-nos nos que estão mais próximos, não é despiciendo tentar tornar a sociedade, no seu todo, mais aceitadora, acolhedora e promotora da cultura do que é hoje em dia (pelo menos neste recantozinho da Europa…), aumentando a disponibilidade, a acessibilidade e a aceitação dos mais variados eventos culturais. Em segundo lugar, e no seguimento dessa tendência, também faz sentido tentar estimular que, no decurso do processo de ensino-aprendizagem, e, claro, desde que apropriado, sejam feitas, por parte do professor, algumas referências ou explicações culturais (por exemplo, no decurso de uma qualquer abordagem das questões da impulsão e da flutuação, ser relatada a história de Arquimedes e da coroa do governante de Siracusa), mas sempre – e é importante frisar isto muito bem – sem prejudicar a transmissão dos conhecimentos por causa disso. Atrever-me-ia a dizer que, nalguns casos, a inclusão deste tipo de referências até pode ser uma estratégia pedagogicamente eficaz para potenciar o interesse e a curiosidade dos alunos, e, de resto, também albergo a esperança de que, com ou sem qualquer iniciativa oficial nesse sentido, fossem muitos os professores que o fizessem por si mesmos, quer pelo puro gosto de ensinar coisas novas, quer pelo colorido acrescido que este tipo de informações confere à matéria.

   Em terceiro lugar, e, talvez, com maior importância, talvez não fosse má ideia estabelecer algum tipo de programa de dinamização cultural a nível nacional, eventualmente em espaços pertencentes às escolas, ao abrigo do qual, num qualquer segmento do seu horário que talvez pudesse ser especialmente designado para tal (eventualmente coincidente com o período de reposição de que já antes falei, sendo ocupado caso haja essa necessidade?), os alunos poderiam participar numa vasta gama de actividades (de acordo, claro está, com as possibilidades da zona…) de natureza cultural, quer no sentido de receberem cultura, quer no sentido de a produzir, quer no sentido de a transmitir a outros. Claro está, tudo isso teria de ser feito da melhor forma possível, fazendo as coisas de modo a retirar todo e qualquer pendor oficial, obrigatório, aborrecido, da cultura, e a apresentá-la como uma coisa lúdica, agradável e importante, que o é…

   No meio disto tudo, haveria – como, de resto, há na maioria das questões relacionadas com o ensino – o risco de que este tipo de abertura para falar de uma vasta gama de assuntos pudesse ser aproveitado para propósitos de condicionamento e manipulação. Sendo a sociedade o que é, sendo a humanidade como é, há fortes probabilidades de isso acontecer (como, de certa forma, já acontece…), mas cabe a todos nós tentar pugnar para que assim não seja, agora e sempre. Mais a mais, nem sequer falar de cultura seria uma outra forma de manipulação, porventura ainda mais sinistra, por trazer consigo o espectro da desumanização, da construção de uma sabedoria largamente maquinal, que, sabendo, mas não reflectindo nem sentindo, mais facilmente realiza as tarefas que lhe são atribuídas e mais dificilmente pára para pensar em como as coisas deveriam ser, mas não são, ou em como as coisas são, mas não deveriam ser… E é esse o tipo de futuro, e é este o tipo de presente, que é nosso dever tentar evitar.

   E com estas palavas de aviso me despeço, até à próxima entrada…

7 de agosto de 2017

Dos Semestres

   Caros leitores, passarei (ainda que dolorosamente) à frente a habitual litania de lamentações pela demora, posto que dificilmente conseguiria inovar no que constitui já uma mensagem repetida demasiadas vezes. Aproveitarei, em vez disso, para vos congratular pela vossa persistência, no sentido em que não tenho qualquer dúvida em afirmar que estes meus interregnos são tudo menos desejáveis para vos cativar… Pois bem, de que falarei eu hoje? Da intenção, aparentemente expressa há relativamente pouco tempo (embora não pela primeira vez, segundo parece…), por parte da Associação Nacional dos Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas, de fazer os anos lectivos decorrerem por semestres em vez dos habituais períodos, isto tanto no Ensino Básico como no Secundário.

   Temos de admitir que se trata de uma alteração fundamentalmente muito pouco profunda no que toca ao funcionamento do sistema de ensino, tendo em conta que todo o decorrer do processo de ensino-aprendizagem permanece praticamente inalterado. O seu potencial impacto não é, porém, nulo, posto que uma tal alteração não pode deixar de impactar a calendarização dos diversos actos avaliativos e organizacionais que poderíamos associar ao final do período, além de toda a questão da gestão temporal dos conteúdos. Naturalmente, não será imensamente complicado garantir que o número de dias de aulas permanecerá mais ou menos inalterado, mas isso não elimina totalmente os impactos que esta mudança poderá ter.

   Segundo consta, os impulsionadores desta ideia têm por intenção manter os períodos de interrupção lectiva que até agora se verificavam, o que, a meu ver, até que é algo bastante louvável, quer por respeito para com as famílias, que, pelo menos a curto prazo, poderiam não ter grandes possibilidades de modificar as suas rotinas e os seus planos de modo a comportar as alterações no calendário, quer por atenção para com os próprios intervenientes directos no sistema de ensino (alunos, funcionários e professores), cujo tempo livre já é suficientemente (diria que, talvez, demasiadamente…) ocupado com as coisas tal como estão. Porém, sendo a ideia tornar a avaliação semestral, terá de existir um momento de divulgação de notas algures no meio do que actualmente seria o segundo período, por volta do mês de Fevereiro. E isto gera um pequeno grande problema.

   Tal como as coisas estão feitas, demora uma quantidade significativa de tempo a desencadear a totalidade dos processos burocráticos indispensáveis à emissão das notas, tempo esse que está longe de abundar no horário dos professores durante o período de aulas. Assim sendo, parece-me pouco exequível (além, claro, de pouco lógico…) emitir as classificações no decorrer das aulas, o que só nos deixa duas opções: ou se aproveita um dos períodos de interrupção lectiva já existentes para isso, o que prejudica bastante o tão ambicionado equilíbrio entre os dois períodos de aulas (posto que, de entre os períodos de férias disponíveis, um – o do Natal – tende a ser demasiado cedo e o outro – o da Páscoa – tende a ser demasiado tarde para coincidir com o que seria mais ou menos o meio do ano lectivo), ou se se introduz uma nova interrupção lectiva, o que contradiz a intenção de manter o calendário escolar tal como está. Naturalmente, poderá existir alguma alternativa, que ainda não me tenha ocorrido, e que possa, de facto, resolver este dilema sem comprometer quer a emissão de notas, quer a manutenção do calendário escolar, quer o horário (e a sanidade mental) dos professores…

   Mas há outro aspecto, porventura um pouco mais insidioso, que também não poderia deixar de mencionar: a transição de anos lectivos para semestres nunca poderá deixar de impactar a estruturação interna da matéria. Se os (já mencionados) efeitos que disto advêm no âmbito dos actos avaliativos são praticamente negligenciáveis face a todos os restantes problemas associados à metodologia aplicada nesses mesmos actos (mais que não seja porque o número de momentos de avaliação permaneceria muito provavelmente o mesmo…), não podemos desprezar tão facilmente assim o que pode advir de uma (mesmo que ligeira) reorganização dos conteúdos: a elaboração de novos manuais escolares, devidamente adaptados ao leccionamento por dois semestres em oposição ao por três períodos, com os inerentes impactos nas finanças das famílias. Naturalmente, se os períodos de férias se mantiverem como estão, há a hipótese de a vaga tripartição dos conteúdos até agora praticada se manter (posto que, de qualquer das formas, também não é tão fechada quanto isso…), pelo menos até ao fim do período de vigência dos manuais, ainda que, sendo o Negócio do Ensino o que é, eu tenha sérias dúvidas quanto a isso… E, se pretendesse ser ainda mais conspirativo, poderia começar a considerar potenciais ligações entre esse mesmo negócio e o surgimento desta ideia, mas não o vou fazer.

   E, seguindo um rumo que creio não ser muito habitual nas minhas entradas, passarei do particular ao geral para tecer umas considerações finais um pouco mais abrangentes acerca desta proposta. No cômputo geral, diria que se trata de uma alteração que, por um lado, se me afigura como demasiado ligeira e demasiado superficial para resolver verdadeiramente os problemas de que padece o sistema de ensino, e que, por outro, aparenta poder vir a ter um impacto demasiadamente grande para não ser minuciosamente ponderada e reflectida antes de ser implementada. Além disto, se é louvável a dupla intenção de equilibrar os períodos lectivos (eliminando o estigma do terceiro período curtíssimo e do segundo período enorme) e aproximar do ensino superior o ensino inferior, é mais discutível até que ponto esse equilíbrio traz vantagens para as aprendizagens dos alunos (não falarei de avaliações…) e até que ponto essa aproximação não constitui apenas mais uma manifestação do Fantasma da Preparação para o Futuro

   Bom, o que é certo é que, no decurso do (demasiadamente longo) tempo que durou a elaboração desta entrada, todo o assunto parece já ter caído mais ou menos no esquecimento, o que basicamente implica que o que aqui escrevi é inútil. Enfim, isso só quer dizer que me tenho de apressar a desencantar um novo assunto e uma nova coisa de que falar…

   Portanto, fiquem bem, cuidem de vocês e até essa próxima entrada.

30 de junho de 2017

Respostas a Respostas Alheias

   Caros leitores, retomo a escrita com uma entrada num formato muito pouco usual, posto que corresponde a uma resposta, ou, talvez mais precisamente, uma reacção ao artigo publicado por Hélder de Sousa, director do IAVE, no jornal on-line Observador, no passado dia 16 deste mês (admito que venho vagamente atrasado, mas, agora, com a entrada já elaborada, não poderia voltar atrás…), por sua vez em resposta a um artigo anterior, da autoria de Alexandre Homem Cristo, tudo isto, como não poderia deixar de ser, no âmbito dos exames nacionais. Naturalmente, não tenho grande coisa a ver com toda a discussão, mas, como cidadão e como aluno que já realizou exames nacionais, creio estar no meu direito responder, ou reagir, às declarações do director da instituição responsável por eles. E é precisamente isso que aqui vim fazer hoje.

   Em primeiro lugar, no que toca à questão (abordada um pouco por toda a parte da análise daquele que é identificado como o primeiro problema dos exames) da memorização em vez da compreensão dos conteúdos, creio ser necessário frisar que, mesmo não sendo os exames nacionais originadores, por si só, dessa memorização, é a forma como todo o sistema de ensino está organizado que o é, posto que, por um lado, a natureza mais ou menos pontual dos momentos de avaliação potencia a mentalidade de estudar especificamente para a prova em causa e não compreender profundamente a matéria, e, por outro lado, devido à necessidade (ou, no mínimo, vontade…) de atingir bons resultados nos rankings, e também, convém dizê-lo, no intuito de tentar melhorar o desempenho dos alunos, não me parece improvável que haja professores que promovem a mecanização das resoluções dos exercícios e a sistematização dos conteúdos por intermédio da memorização, na ideia (talvez não completamente errada, mas seguramente que não inteiramente correcta) de que se trata da forma mais segura e imediata de garantir que esse conhecimento fica bem consolidado por parte dos alunos. E, se, em ambos estes aspectos, os exames não são o motivo mais directo para que as coisas assim se passem, certo é que, sobretudo neste último aspecto, também contribuem para isso.

   Em segundo lugar, devo destacar as múltiplas referências ao pormenor de ser possível elaborar os exames de modo a que se atinja uma determinada média, reconhecendo-se, portanto, que, em última análise, os seus resultados são manipuláveis. Mesmo que as médias – tal como é abundantemente argumentado no artigo – não sejam a forma mais apropriada para analisar os resultados dos exames, parece-me que a Matemática obriga um pouco a que, havendo, de uma maneira geral, uma quantidade bastante grande de alunos a realizar qualquer exame (o que leva a que haja um grande número de resultados, em princípio, mais ou menos dispersos pelas diversas classificações possíveis), haja uma fracção não desprezável desses resultados que terão de ser alvo de alterações para fazer variar significativamente a média. Como tal, seremos forçados a concluir (como, de qualquer dos modos, se me afigurava já como bastante evidente) que, em última análise, as notas dos alunos dependem, pelo menos em parte, da forma como o exame é elaborado, que é o mesmo que dizer, da vontade de quem os elabora, ou, no mínimo, dos “parceiros técnicos e científicos”, o que implica que, enquanto forma de aferir o nível de conhecimento de cada um dos alunos, não são tão absolutos, indubitáveis, como se poderia pensar. Visão que, diga-se de passagem, o próprio autor rejeita (surpreendentemente, no sentido mais positivo do termo) no encerramento do artigo.

   Em terceiro lugar, uma curta questão de pormenor: no decurso da argumentação no sentido de refutar o uso da média nacional como indicativo do nível de sucesso dos exames nacionais, é apresentada a justificação de que a existência de alunos autopropostos (e, portanto, em situação de retenção à disciplina em causa) introduz uma perturbação tão significativa das médias que contribui para a não-representatividade desse critério no que toca ao estado do ensino. Ora, mesmo admitindo que assim é (coisa que não creio estar em posição de debater, posto que dificilmente me poderei considerar versado na exigente arte de interpretar estatísticas e extrair-lhes o significado, a credibilidade e a adequação à realidade…), não deixa de ser verdade que, de uma maneira geral, esses alunos tiveram acesso às mesmas aulas que os restantes, sendo, em última análise, o seu nível de conhecimentos decorrente do ensino, razão por que me parece que o seu desempenho, mesmo que insatisfatório, também reflecte o estado do ensino; mais a mais, dificilmente se poderá considerar que os exames, por si só, existem fora da própria estruturação do sistema de ensino, e, nesse sentido, não creio que os possamos analisar sem ter em conta condicionantes provenientes dessa estruturação, sendo os alunos autopropostos uma dessas condicionantes…

   Em quarto lugar, a questão da validade dos exames nacionais. Se interpretei correctamente as palavras do autor (e não obstante o facto de a abordagem deste assunto ser admitidamente simplificada, para permitir abranger uma mais vasta gama de leitores), a validade dos exames, ou dos resultados que se obtêm a partir deles, decorre da aceitação, por um conjunto mais ou menos amplo de entidades (mais ou menos?) habilitadas a opinar sobre esses assuntos, de que os resultados apresentados são representativos do estado do sistema de ensino, o que, fundamentalmente, me parece incorrer numa petição de princípio mais ou menos encoberta, posto que, em última análise, se está a tomar uma coisa por válida se for vista como válida… Para além disto, se o propósito principal dos exames nacionais é mesmo ser um reflexo do estado do sistema de ensino, então por que razão têm tanto impacto e tanta influência no futuro dos alunos? (É certo que o próprio autor refere que o acesso ao ensino superior e a forma como se encara a avaliação estão longe de ser ideais, mas, a meu ver, não é por isso que a pergunta deixa de ser válida – ou necessária…)

   Em quinto lugar, um rápido comentário à crítica à aceitação dos elevados níveis de retenção de que padecemos. É certo que, em parte, até podem derivar da incapacidade, indiferença ou indisponibilidade intrínsecas aos próprios alunos, mas creio ser igualmente certo que o sistema de ensino, por um lado, e a sociedade no seu todo, por outro lado, são culpados muito maiores disso: no primeiro caso, porque as múltiplas tarefas associadas ao acto de aprender o tornam algo muito mais oneroso do que o que, naturalmente, é, e, no segundo caso, porque, infelizmente, ainda há casos em que a conjuntura socioeconómica, ou um qualquer problema de natureza pessoal ou familiar, remete para segundo (ou terceiro…) plano os estudos. Naturalmente, quando ao impacto que estas retenções têm nos testes internacionais, disso não há dúvida: alunos em níveis de ensino diferentes têm, em princípio, níveis de conhecimento (e de raciocínio) diferentes, e, nesse sentido, sou levado a dizer que a escolha dos alunos estados com base em critérios exclusivamente etários não será exactamente a melhor medida desses testes internacionais, constituindo, até, um potencial falha (entre outras, como alguns estudos, ou melhor, alguns estudiosos, têm vindo, mais ou menos discretamente, a sugerir…).

   Em sexto lugar, pegando no pormenor de, como é referido pelo menos duas vezes no artigo (para justificar a ausência de evolução nos resultados dos exames, contrastando com o que se verifica nos testes internacionais – embora, conforme também é argumentado, se possa ver esse contraste como apenas parcial, se não mesmo inexistente), os exames poderem sofrer alterações de ano para ano, na sequência de modificações nos programas, gostaria de frisar que é daqui que surge uma porção não despicienda da injustiça que atribuo aos exames nacionais, posto que alnos em anos lectivos diferentes (diria, até, que, em casos extremos, de um ano para o outro) podem ser avaliados à luz de critérios e metas (mesmo que ligeiramente) diferentes. Naturalmente, é mais do que desejável que haja progresso e melhoramentos no ensino, mas creio não ser tão desejável assim que, só pelo infeliz acaso de terem nascido em anos diferentes, alguns alunos tenham a vida facilitada e outros, dificultada. Claro está que este facto é mais ou menos inevitável (a não ser que se opte por aplicar todos os anos exactamente a mesma prova, o que seria, à partida, de uma utilidade bastante reduzida…), mas não deixa de ser, a meu ver, um bom argumento contra o pendor absoluto, incontornável, infalível que muitos atribuem aos exames nacionais (pendor esse que, a meu ver, é quase inteiramente falso, e que o próprio autor desvaloriza – e bem, devo acrescentar).

   Em sétimo lugar, a questão de o desempenho médio, geral e genérico, dos alunos, quer nos exames, quer nos testes internacionais, se estar a tornar mais negativo, mas não propriamente mais positivo, facto que podemos relacionar com a já abordada questão da memorização versus compreensão, não é, a meu ver, inteiramente descupabilizadora dos exames nacionais; mais uma vez me parece inteiramente plausível que os professores, num bem-intencionado, mas não necessariamente bem-sucedido, esforço para tentar garantir o melhor desempenho nos alunos (e as eventuais vantagens que daí possam advir para eles, ou para a escola…), apostem precisamente na consolidação dos conhecimentos mais básicos e essenciais (em parte, por intermédio da memorização…), prejudicando a capacidade, mais dificilmente estimulada e adquirida, de os relacionar entre si de formas mais elaboradas e, portanto, de resolver os exercícios mais complexos, que, segundo o texto, são precisamente a área onde os alunos portugueses apresentam maiores dificuldades. Mesmo que isto não advenha dos exames nacionais em si, é bastante potenciado pela sua existência, ou no mínimo, pela forma como são encarados por grande parte dos intervenientes do sistema de ensino, o que também decorre bastante da forma como são apresentados e implementados…

   Em oitavo lugar, no que toca ao problema de se ensinar especificamente para os exames (e, no fundo, um pouco na sequência do aspecto anteriormente abordado), não seria, mais uma vez, tão rápido a inocentar os exames e a culpabilizar professores (e pais e alunos). Correndo o risco de me repetir (mais ainda…), a própria natureza dos exames, porque as matérias testadas correspondem a (potencialmente) todo o programa de uma disciplina, porque o exame é aplicado com todo um ritual de entrega por agentes da polícia, abertura dos invólucros selados na hora e nem um segundo antes, preenchimento estrito e específico dos cabeçalhos, e um sem fim de outros aspectos que lhe atribuem um carácter intensamente formal, quase dramático, porque o exame pode ter grande influência na vida futura dos alunos, enfim, por uma panóplia de razões, os exames apresentam-se como algo a temer, ou, no mínimo, a recear, sentimento que é aumentado pela própria preocupação que os que rodeiam os alunos (a nível familiar e escolar, entenda-se) demonstram para com eles e para com esse evento que se aproxima, visto como de suprema importância para o seu futuro. Juntando a isto tudo a tendência natural de tudo quanto seja gestão ou administração (em particular, de uma escola…) para se centrar em números e resultados, e tendo em conta que os exames providenciam uma boa fonte de números e resultados, é mais do que natural que os exames nacionais adquiram uma importância desmedida, desnecessária e, diria eu, indesejável, no seio do sistema de ensino. Não são, seguramente, a única fonte de problemas no sistema de ensino (e isso tenho já dito por várias vezes), mas são, sem dúvida, uma testa-de-ferro bastante proeminente para as restantes, e não por isso menos condenáveis…

   Para terminar, gostaria de expressar o meu apoio ao apelo ao debate e à discussão relativamente aos exames, em particular, e ao ensino, em geral, mas, posto que me é praticamente psicologicamente impossível terminar sem deixar mais uma crítica, devo frisar que os exames nacionais também podem ser vistos como decorrentes de uma mentalidade educativa (pelo menos em parte) retrógrada, ou, no mínimo, estagnada, posto que são um conceito que tem estado a ser aplicado há já bastante tempo, diria que com vantagens sempre debatíveis…

   E assim termino, despedindo-me dos meus leitores, que receio ter maçado demasiadamente, e desejando ter mais em breve do que o costume uma nova entrada…

4 de junho de 2017

Das Greves (e dos Exames)

   Caríssimos leitores, já deixei, por mais do que uma vez, bem clara uma posição que sustento e tento defender perante vós (mesmo correndo o quixotesco risco de me encontrar a esgrimir contra moinhos de vento…), que é a minha total e completa oposição aos exames nacionais. Nesse sentido, e por mais que apreciasse remoer os argumentos todos mais uma vez, receei demasiadamente maçar-vos para elaborar uma entrada sobre este tema, mas eis que as circunstâncias, para variar, se conjugam favoravelmente, de tal forma que agora tenho uma boa desculpa para o fazer, desculpa essa que, como poderão ter adivinhado pelo título que escolhi, resulta precisamente da greve anunciada, ou ameaçada, para 21 de Junho, assaz convenientemente coincidente com os exames nacionais de Física e Química A, Geografia A e História e Cultura das Artes.

   Convenhamos, por toda uma panóplia de razões, sobretudo de ordem histórica e democrática, não creio que devamos pôr em causa o direito de quaisquer trabalhadores de lutar pela melhoria das suas condições de trabalho, e, nesse sentido, não me parece muito desejável que nos oponhamos, a priori, a esta greve. Podemos, sim, pôr em causa o sentido de oportunidade da mesma, ou, talvez mais precisamente, a falta dele, dado que o calendário comporta em si exactamente 21 outros dias sem exames (agora só 17, dado que podemos, com elevado grau de certeza, afirmar que não se fará a greve nos dias 1 a 4 de Junho…) que seriam tão bons para reivindicar quanto o próprio dia 21. Naturalmente, sendo em dia de exame, a greve tem mais impacto, serve melhor como meio de pressão, é mais disruptiva, mas… quem se prejudica é, mais uma vez, a vítima do costume: os alunos.

   Nem é preciso dizer que a possibilidade de algumas escolas terem professores disponíveis e outras não mina completamente o (suposto) nivelamento de que os exames nacionais costumam ser vistos como fomentadores, mais que não seja porque a aplicação de um exame diferente (àqueles que não tivessem podido fazê-lo no dia original) geraria, inevitavelmente, um grau de dificuldade diferente, juntando à habitual (mas não por isso menos indesejável!) variação de ano para ano e de fase para fase uma outra variação intra-fásica, se me permitem o palavrão supérfluo, o que, muito naturalmente, multiplica por dez ou cem o factor injustiça. Por outro lado, a marcação de uma nova data de exame (seja para todos, o que evitaria o problema acima descrito, seja só para aqueles que não o puderam fazer no dia 21, caso ele se verificasse), sobretudo se com reduzida antecedência e/ou para um período mais ou menos inusitado, tem o potencial de prejudicar os planos dos alunos, seja em termos de estudo, seja em termos de compromissos pessoais e familiares – sendo este último caso, também, extensível aos funcionários e professores que terão de estar em funções nesse dia, o que aumenta ainda mais o impacto negativo da greve.

   E isto, claro, é para não falar na ainda mais insidiosa questão da incerteza que esta grande incógnita quase shakespeariana de haver ou não haver exame faz surgir, e dos respectivos efeitos nefastos que tem sobre os alunos, e que, agravada pelo nervosismo, e agravando o nervosismo, contribui para aumentar ainda mais as infelizes hipóteses de se fazer asneira, tornando os exames nacionais ainda menos representativos do nível de conhecimentos dos alunos. Isto é, admitindo que sequer o podem ser…

   Tudo isto para dizer o quê? Para deixar, essencialmente, duas mensagens, que enumero com bolinhas para efeitos estéticos:

  • Aos alunos, para que sigam o exemplo dos professores e aproveitem para manifestar, algures, antes ou depois (diria eu que preferencialmente antes…) dos exames, o seu descontentamento – que, espero, não seja tão inexistente quanto, por vezes, parece – relativamente a essa enorme injustiça e essa gigantesca indesejabilidade que são os exames nacionais, e a todas as outras, tão ou mais graves do que ela, que permeiam o sistema de ensino.
  •  
  • Aos professores, para que se recordem de que, se é certo que a escola dificilmente funcionaria sem professores, é ainda mais certo que ela não existiria sem alunos, pelo que talvez não seja a melhor estratégia alheá-los e prejudicá-los, posto que se poderão estar a prejudicar a vós mesmos…

   E, com estas palavras de simultânea exortação e advertência (por menos efeitos que possam ter…), me despeço, até à próxima entrada, se é que ainda aí estão, caríssimos leitores…



Pequeno Post-Scriptum: Tudo o que foi escrito parte do princípio de que a greve virá a ocorrer de facto; no entanto, não me espantaria (antes pelo contrário) que fosse atingido algum tipo de acordo entre o ministério e a FENPROF, e que a greve, afinal, não se viesse a concretizar, caso em que o prejuízo dos alunos se resume ao infeliz facto de terem mesmo de realizar o exame. Se a intenção original sempre foi a de não se efectuar a greve, não me posso coibir de comentar que me parece que os exames são um assunto demasiado grave, que tem demasiada influência na vida de demasiados alunos, para se brincar com ele dessa maneira, por menos formas de reivindicar que os professores possam ver para além desta…

19 de maio de 2017

Lamento e Agradecimento

   Caríssimos leitores, é com grande pesar que verifico que, mais uma vez, incorri numa longa ausência. O motivo é o do costume: a escola. Como sempre.

   Enfim, por esse mesmo motivo, devo confessar que não tenho uma entrada tradicional para aqui apresentar; em vez disso, farei algo tão ou mais importante, e que já há muito tempo deveria ter feito: agradecer a todos aqueles (que eu gosto de pensar que são muitos, seja isso, ou não, verdadeiro) que, não obstante a minha ausência, têm continuado a ler e a visitar, e, espero eu, a apoiar a ideia (nem que seja criticando-a!), enfim, a todos os leitores, por aturarem a irregularidade da minha escrita (e a minha escrita em si), enfim, por tudo, um enorme obrigado!

   E, com estas palavras, e esta curta entrada, me despeço, na esperança de vir a escrever mais em breve…

22 de abril de 2017

Do Ensino Especial

   Caríssimos leitores, por mais uma ausência, por mais um silêncio longo e indesejável, por mais um interregno vos peço as maiores e mais sentidas desculpas. Espero, por isso, poder, de algum modo, compensar-vos por intermédio da análise de um tema ainda francamente inédito, de entre os diversos que tenho abordado para aqui: o da educação especial, que é, para mim, o mesmo que dizer “o do ensino de alunos que apresentem limitações relativamente ao que a Medicina consideraria normal e/ou saudável”. Não sei se é bem esta a definição oficial, mas… espero que ande lá perto.

   É, no fundo, um tema moderadamente fracturante – e, talvez por isso, ou talvez causando isso, bastante importante e pertinente. Afinal, trata-se cidadãos que valem tanto como os outros, que importam tanto quanto os outros, mas que possuem uma certa dose de especificidades que necessitamos de ter em atenção, nomeadamente em termos das limitações que apresentam. Convirá, porém, destacar que o ideal, no fundo, seria que essas limitações não se verificassem, seja porque a Medicina fosse suficientemente evoluída para resolver os danos responsáveis por essas limitações, seja porque a tecnologia fosse suficientemente avançada para suplantar os efeitos dessas mesmas limitações. No estado em que nos encontramos actualmente (que, sem grande subjectividade, poderemos considerar ser ainda distante do ideal), não teremos outra hipótese que não a de tentar colmatar esses problemas, adoptando as práticas e os equipamentos às especificidades que eles possam provocar nos que os apresentam.

   Quando os problemas se resumem (infeliz expressão esta, que tão insensivelmente mascara as dificuldades que provocam…) a condicionantes de ordem física, no fundo, é relativamente simples descobrir o que fazer, tendo em conta que o nosso nível tecnológico já nos permite discernir formas de circundar uma parte significativa dessas limitações; refiro-me quer a questões de concepção das coisas, como a inclusão de rampas nos edifícios ou de sistemas indicadores das cores para os daltónicos, por exemplo, quer a questões de meios e métodos como a leitura de textos em voz alta, o uso de displays diversos com suporte para Braille (ainda que a tecnologia e o mercado o dificultem de algum modo, dado o elevado custo da maioria dos equipamentos disponíveis para esses fins) ou o recurso acompanhamento específico do aluno por parte de um profissional mais ou menos especializado, no intuito de o auxiliar. Natural, mas infelizmente, será mais ou menos inevitável que existam alguns conhecimentos, sobretudo do domínio desportivo e/ou físico, para cuja aquisição as limitações constituem impedimento (se me perdoam o vago pleonasmo), e, nesse sentido, acaba por ser, também, o dever do sistema de ensino apresentar alternativas adaptadas (no âmbito desportivo será o caso mais flagrante…) a cada um, de modo a que nunca ninguém fosse pura e simplesmente excluído.

   Nos casos em que os problemas atinjam, também, a componente mental, cerebral, do aluno, a situação torna-se fundamentalmente mais complicada, posto que a capacidade de os alunos aprenderem pode ser afectada, o que implica que, do ponto de vista funcional do sistema de ensino, poderão não conseguir ter o mesmo desempenho que os alunos não afectados. Aqui, devo confessar que a minha opinião diverge um pouco da que parece ser mais frequente e, em menor ou menor escala, aplicada hoje em dia; naturalmente que estou, como sempre, mais do que receptivo a críticas e (contra–)argumentos, mas, por agora, estou em crer que talvez não seja uma ideia universalmente vantajosa colocar indiscriminadamente (mais outra infeliz expressão, dada a polissemia do termo…) estes alunos juntamente com “turmas” da faixa etária apropriada, independentemente dos conhecimentos que uns e outros possam estar a adquirir, mesmo que seja sob o louvável pretexto da inclusão. Naturalmente, dependerá das circunstâncias, dos recursos disponíveis e das limitações em causa se estes alunos são colocadas em “turmas” próprias ou nas que correspondem aos conhecimentos que estão efectivamente a adquirir (e, acrescentaria eu, em caso de igualdade, deveremos sempre tentar optar pela segunda!), mas não me parece o pináculo da eficiência mantê-los junto aos restantes só para potenciar um convívio e uma confraternização que, de um modo geral, pertencem ao lado de fora e não propriamente ao lado de dentro das salas de aula (não é que os alunos devam ser propriamente autómatos dentro da sala de aula, antes pelo contrário, mas também o propósito de lá estarem não deve ser propriamente visto como sendo o de sociabilizar…). Devemos tentar ser o mais inclusivos possível, claro está, disso não pode haver dúvidas, marginalizar seja que segmento da sociedade ou da população for é sempre indesejável e, mais do que isso, perigoso, mas, dada a ausência do conceito de turma ao abrigo dos Mini-Ciclos de Leccionamento, e dada a maior disponibilidade dos alunos em termos de tempos livres (e com as alterações sociais e de mentalidade necessárias para tornar toda a sociedade verdadeiramente tolerante e inclusiva…), não me parece, de todo, ineficaz efectuar a devida integração fora das salas de aula e não dentro delas. Até porque, à partida, se deixará de conferir grande significado à turma, ao agrupamento de alunos a frequentar o mesmo mini-ciclo, porque será, intrinsecamente, de curta duração. Mais uma fez friso que, neste aspecto, tal como em todos os outros, estou receptivo a sugestões e argumentações, até porque, naturalmente, haverá leitores que poderão falar destes assuntos com muito mais propriedade do que eu…

   Uma última ressalva, ou um último aspecto: no que toca aos casos mais graves, em que o processo pedagógico assume contornos tão particulares que se torna extremamente difícil enquadrar as aprendizagens nos moldes prescritos pelas práticas lectivas usuais dos Mini-Ciclos de Leccionamento, também não vejo qualquer motivo para que nos oponhamos a que os professores e cuidadores desses alunos em particular tenham a possibilidade de lhes atribuir um dado mini-ciclo, se e quando acharem apropriado, para reflectir oficialmente o facto de terem conseguido efectuar uma dada aprendizagem. Tratando-se estes de casos graves, diria, até, que medicamente identificados, não creio que advirá daqui grande margem de manobra para falcatruas diversas, ainda para mais tratando-se de um assunto tão sério quanto este, ainda que, devo reconhecê-lo, haja essa possibilidade.

   E creio que será isto… Enfim, espero não ter sido demasiado indelicado, ou demasiado sucinto, ou demasiado confuso, ou demasiado impreciso na minha abordagem, mas devo confessar (ou, aliás, já o devia ter feito antes que não deixa de ser um tema sensível, que deve ser tratado com cuidado, e foi isso que tentei fazer. Se falhei nesse meu intuito, apresento as minhas mais sinceras e sentidas desculpas aos meus leitores.

   Portanto, fiquem bem, cuidem-se e até à próxima entrada…

4 de março de 2017

Das Respostas às Faltas, Das Faltas Respostas

   Caros leitores, escrevo-vos isto (embora só o venha a terminar e publicar posteriormente, decerto) num pedaço de tempo livre originado pela ausência, por doença, necessidade ou planeamento – honestamente, não o sei, e creio que não o queira saber –, de um daqueles indivíduos a que, por etimologias e tradições diversas, se chama, sem grande aparato, professor. Como tal, creio ser um momento tão apropriado quanto qualquer outro para reflectir, precisamente, sobre esse fenómeno (poderei dizer tragédia? Quer dizer, poder posso, não sei é se entenderão e aceitarão a ironia…) das faltas, quer por parte dos professores, quer por parte dos alunos.

   No âmbito do actual sistema de ensino, não há assim muito a dizer-se: creio ser minimamente óbvio para toda a gente o que se passa. Poderia arengar intensamente acerca de toda a questão das ocupações lectivas de tempos livres e do reduzido sentido que, fundamentalmente, fazem (mesmo que defendamos a sua utilidade para impedir os alunos de sair da escola e se meterem em diversos tipos de problemas lá fora, não é necessário sermos tendenciosos na nossa análise para conjecturar que já fortes possibilidades de esses problemas virem, na mesma, a ocorrer: afinal, é pouco menos do que inevitável que uma certa dose de alunos se escape antes de ser possível descrever todos os passos burocráticos necessários para requisitar uma dessas ocupações lectivas de tempos livres, e não me parece que estaríamos a ser incentivar estereotipações diversas se conjecturássemos que aqueles que mais facilmente se escapariam acabariam por ser precisamente os que mais propensão teriam para se meter em problemas…). Ou poderia destacar que os prejudicados por uma falta do professor acabam por ser sempre os alunos, no sentido em que, havendo programas e metas e etcéteras (eu sei, pontapeei o Latim, mas perder-se-ia algum efeito fonético se assim não fosse…) para cumprir, a aula não dada virá a afectar a transmissão da matéria futura, quer no sentido de lhe provocar um ritmo mais intenso (o que, como espero que não necessário elaborar muito, tem vaga tendência a prejudicar a compreensão por parte dos alunos), quer no sentido de levar a que parte dessa matéria seja mais ou menos saltada (o que, enfim, não é tão imediatamente prejudicial, no sentido em que, por vezes, algumas dessas coisas não são tão relevantes assim, mas, por outro lado, pode sempre acontecer que, no fundo, afinal até o sejam), quer no sentido de originarem futuras aulas extra, de modo a possibilitar que se acabe a matéria (o que, embora não traga nenhum problema em termos de matéria, tende a perturbar o horário dos alunos e/ou o seu tempo “livre” – que, lembremo-nos, nem sempre é tão livre assim… –, o que, naturalmente, não é lá muito benéfico…). Ou, poderia, ainda, explicitar o que já se sabe: que, quando o aluno falta, perde a matéria… Mas creio ser melhor não o fazer. Mais do que já o fiz, pelo menos…

   Aquilo de que queria vir mesmo falar era de como é que estas questões todas ocorreriam no âmbito dos Mini-Ciclos de Leccionamento. No texto principal, já são feitas algumas menções a este assunto, mas queria aproveitar a ocasião para o abordar mais especificamente. Ora bem, antes de mais, devo destacar que, sob seja que ponto de vista for, não podemos considerar a falta, quer por parte de alunos, quer por parte de professores, uma situação normal e parte integrante do funcionamento desejável do sistema de ensino; nesse sentido, não podemos tomar nunca a existência de mecanismos para facilitar o processo de reposição das aulas não dadas (ou não assistidas…) como um convite a que não se dê (ou não se assista) a aulas: são, apenas, uma forma de mitigar uma falha que inevitavelmente surgirá, dada a imprevisibilidade intrínseca aos afazeres dos seres humanos. Finda esta relativamente longa, relativamente inútil e (relativamente?) entediante ressalva, poderei, agora, enumerar as possibilidades que os Mini-Ciclos de Leccionamento comportam para esta história das reposições de aulas, quer das não dadas, quer das não assistidas.

   Decorrendo os Mini-Ciclos de Leccionamento como decorrem, e tendo o seu normal funcionamento, por si só, bastante potencial para variados graus de incompatibilidade de horários, poderemos esperar, creio que sem grandes imprecisões, que qualquer tentativa de reposição de aulas, por parte do professor, no pedaço de horário que mais convenha à totalidade dos alunos (e a ele próprio também, claro está…) estará, à partida, quase que condenada ao falhanço, dada a expectavelmente elevada probabilidade de não haver uma hora a que todos estejam disponíveis e/ou dispostos a ir. Nesse sentido, parece-me lógico e lícito implementar aquilo que chamei de “Período de Reposição”, que corresponderia a alguma parte do horário de todos para a qual nunca se poderiam marcar mini-ciclos, mas que poderia ser utilizada, em caso de necessidade, para repor aulas que o professor não pudesse dar. Sem grande reflexão sobre isso, apenas levado pela noção de que parece ser uma boa altura para (quase) nunca se ter aulas, propus – e diria que continuo a propor – que se reservem as tardes de sexta-feira para isso. Mas, claro, se o consenso generalizado for outro, estejam à vontade para efectuar essa mudança…

   Continuando neste lado da reposição das aulas não dadas, também, há uma alternativa mais simples: efectuar aquilo que, no actual sistema de ensino, são, ou deveriam ser, as substituições de aulas – isto é, colocar um professor, devidamente ciente da parte da matéria em que vão os alunos, a dar a aula, tal e qual (à parte eventuais diferenças pedagógicas) como o faria o professor original. É certo que esta mudança mais ou menos abrupta pode prejudicar, mais parcial que totalmente, a compreensão da matéria (principalmente se a aula for dará por um professor cujo método de ensino não se aprecie), mas, nos casos em que o professor saiba antecipadamente que vai faltar e haja um outro disponível para dar a aula, é uma alternativa, a meu ver, admissível (embora não ideal, dado que o ideal seria mesmo não se faltar…) à reposição no período respectivo.

   Uma outra alternativa, ainda, talvez um pouco mais sofisticada, passaria por recorrer ao mesmo tipo de suporte que as aulas à distância para efectuar as substituições anteriormente referidas, o que permitiria aplicar a alternativa anterior sempre que não estivesse disponível um professor substituto na escola e/ou não se soubesse da falta com a antecedência suficiente para mobilizar um. Neste último caso, poderia sempre acontecer que, entre o momento em que se descobrisse a falta e aquele em que se accionassem estes meios, alguns alunos se escapulissem, mas, por outro lado, um sistema de ensino em que andar na escola fosse menos doloroso seria um sistema de ensino com alunos mais motivados e, logo, mais dispostos a ter aula, o que – digo eu – mitigaria a maior parte destas situações.

   Pegando nesta mesma questão das aulas à distância, poderemos passar a falar da reposição de aulas não assistidas. Serão precisamente as aulas à distância o método principal para o fazer, pelo simples facto de ser mais fácil, imediato, personalizado e abrangente do que qualquer outro: se o aluno não pode vir numa altura, recebe as aulas onde e quando quiser, o que, manifestamente, tem muitas vantagens. Nos casos, porém, em que seja incomportável para o aluno a sua principal desvantagem, que se prende, logicamente, com a ausência física de um professor, e havendo, de facto, um professor disponível e disposto a dar-lhe essa aula, não me parece haver nenhum problema em deixarmos que isso aconteça. Há a ligeiramente sinistra hipótese de haver favorecimentos diversos, mas, tendo em conta que não existem propriamente avaliações, apenas verificações, torna-se vagamente difícil falsificar notas, dado estas serem inexistentes…

   Semelhantemente, se uma outra “turma” (no sentido de conjunto de alunos a frequentar o mesmo mini-ciclo) estiver prestes a chegar à mesma parte da matéria, e se o aluno souber disso, houver espaço na sala (esta parte esperemos sempre que sim!) e o professor aceitar que ele assista à aula, não vejo grandes razões para o proibirmos a priori. Naturalmente, pela grande complexidade logística da gestão de horários, serão reduzidos os casos em que isto poderá acontecer, e, de qualquer das formas, as aulas à distância acabarão por ser, como se disse, o método preferencial para se repor aulas não assistidas, mas não me parece fazer mal nenhum deixarmos mais esta hipótese em aberto.

   E creio que isto diz tudo… Devo só frisar que os raciocínios aqui efectuados e as características aqui apresentadas dizem respeito maioritariamente a situações de faltas esporádicas e/ou imprevisíveis, tendo em conta que, sabendo-se, com a devida antecedência, que se irá ter de faltar em cetos dias e/ou em certas horas, e pela flexibilidade inerente aos Mini-Ciclos de Leccionamento, acaba sempre por ser mais ou menos possível gerir as coisas de modo a que não se esteja a leccionar ou a frequentar aulas nessa altura.

   E, por hoje, ou por agora, é tudo. Despeço-me, portanto, calorosamente de vós, leitores, até à próxima entrada…

6 de fevereiro de 2017

Da Insuperioridade do (In)Superior

   Saudações a todos os leitores. Já lá vai muito tempo, demasiado tempo, desde que nos encontrámos peça última vez, e lamento imenso por isso. Foi o habitual e expectável (mas não por isso menos imperdoável) misto de falta de tempo, tema e inspiração que já me tem, por outras vezes, condenado a longos silêncios como este. Porém, não se prologará mais este, dado que, como o mero facto de aqui estar a escrever o indicia, vos tenho a apresentar uma nova entrada, sobre um dos poucos temas relativamente intocados por mim no que toca ao ensino, em grande medida para não dar azo a (mais?) acusações de criticar a priori o que não conheço. Dificilmente se poderá dizer que tal ocorre agora, pelo que, como o título o indicia, escolhi tomar para tema desta entrada o ensino superior.

   Aqui e ali, em momentos diversos, creio já ter aludido à minha perspectiva de que a clivagem que hoje em dia se pratica e cultiva entre o ensino “inferior” e o superior (já sabem que a questão do inferior é mais irónica que outra coisa, certo?) é, muito à semelhança daquela que surge entre o ensino básico e o secundário, dispensável e, mais do que isso, prejudicial para o cumprimento daquele que me parece ser – como sei que já frisei repetidas vezes – o principal propósito do ensino, que é precisamente o de transmitir conhecimentos. É que, em última análise, cultivar-se, de uma forma (sejamos realistas…) grandemente deliberada, um choque, em termos de rotinas, de maneiras de ser e estar, de formas de encarar a escola e o estudo, e tudo o mais, entre dois níveis de ensino é promover um atrapalhamento e uma descoordenação mental que, mesmo sendo temporários, sempre acabam por prejudicar as aprendizagens dos alunos. Ou, no mínimo dos mínimos, trazer-lhes algum grau de desconforto e/ou sofrimento, o que, por princípio, deve ser evitado. Digo eu… Bom, neste sentido, a conclusão final só poderá ser mesmo a de que o ideal seria acabar-se com essa clivagem, mas, dado que uma boa parte de mim abomina a sucintez e outra aprecia a crítica ao actual sistema de ensino, tenho um duplo motivo para tentar enumerar alguns aspectos positivos e negativos. Mais que não seja, para a entrada não ficar inteiramente falta de substância e significado…

   Aspectos positivos… Bem, sentir-me-ia fortemente tentado a dizer que não existem, mas estaria, talvez, a ser demasiadamente parcial. O ensino superior traz, organizacionalmente, uma certa vantagem comparativamente ao ensino inferior, que é o pormenor de os ciclos de leccionamento serem mais reduzidos, correspondendo, de uma maneira geral, aos aglomerados irregulares de tempo a que, por convenção, tradição e imitação de práticas alheias, se costuma chamar semestres. Isto, juntamente com a menor interdependência das várias disciplinas dos vários bancos das várias cadeiras, permite obter um pouco da flexibilidade contida na ideia dos Mini-Ciclos de Leccionamento… ainda que de uma forma deveras ligeira, tendo em conta que cada um dos pacotes de matéria contém, ainda assim, uma boa dose de conteúdos diferentes (e, acrescentaria eu, nalguns casos, mais ainda do que um ano lectivo no ensino inferior) e que a estruturação temporal de todas as actividades lectivas é, ainda, manifestamente fechada, estática, inflexível (claro, poder-se-ia argumentar que a maior facilidade em faltar às aulas a modos que compensa isso, mas, convenhamos, não é bem a mesma coisa…). Um outro aspecto positivo, pelo menos, para alguns alunos, será a mentalidade mais autonomista que perpassa praticamente todas as práticas pedagógicas, o que, se for de encontro à tendência natural do aluno, pode contribuir para que o seu processo de aprendizagem ocorra mais eficazmente. Ou não, caso o aluno não se dê bem com essa mentalidade. Mas não vamos por aí…

   Mudando completamente de lados, há uma dose um pouco mais substancial de aspectos negativos passíveis de serem apontados ao ensino superior (ou, pelo menos, a minha tendência intrínseca para criticas faz com que mais se me apresentem…), Acima de tudo, e mais flagrantemente, temos o pormenor de se dar continuidade à grande maioria das práticas, sobretudo em termos avaliativos, do ensino inferior, o que, agravado pela maior despersonalização que, em maior ou menos escala, acaba por ser cultivada em todas as instituições, prejudica a transmissão de conhecimento, no sentido me que desmotiva os alunos, descarta (alguns d)aqueles que possam ter aprendido como não o tendo feito e reconhece que (alguns d)os que não aprenderam o fizeram, como bem sabemos (ou, pelo menos, como eu bem creio) que o faz. Claro que isto não é um problema exclusivo do ensino superior, é consequência de todo o actual sistema de ensino, mas… enfim, não deia de ser um aspecto negativo.

   Depois, claro, temos a questão da escala. Posto que, desde início e concepção, o ensino superior não tem qualquer carácter de obrigatoriedade, será mais ou menos compreensível (mais ou menos…) que as entidades tenham a liberdade de prejudicar as aprendizagens dos alunos ao aglomerarem o maior número possível numa sala, de modo a melhor economizar os recursos, dado que, financeiramente falando, não terão, porventura, o mesmo tipo de apoio que o ensino inferior tem; porém, há uma parte de mim que não se pode impedir de pensar que isso é uma marca de uma intencionalidade mais sinistra por parte das instituições de ensino superior em geral: precisamente a mesma que – da minha perspectiva – conduz àquela abjecção começada por P, e a milhentos outros rituais associados à “tradição académica”, que é a de apresentar precisamente a clivagem de que comecei por falar, fazendo os alunos sentir que ali se deparam com uma coisa diferente, (apresentada como sendo) melhor, e que, por isso, já pertencem a uma elitezinha, a um grupinho particular (e acrescentaria que este sentimento de pertença é, também, reforçado pelo sofrimento a que são sujeitos, muito à semelhança, se me permitem o lirismo, dos laços forjados entre irmãos de armas…), que, sendo assim tão particular, acarreta também um conjunto de maneiras de ser, estar e pensar que deverão, dentro do género, ser adoptadas. E isso, juntamente com o pormenor de ser nas estruturas associadas ao ensino superior que ocorre a maior parte da criação ou descoberta de novos conhecimentos, remete-nos para aquele fenómeno desagradável da estagnação paradigmática de Kuhn (bem, a parte da estagnação é mais dedinho meu, a ideia do senhor seria mais um progresso sistemático que ia abrandando, mas, enfim… anda mais ou menos lá perto), além, claro, dos igualmente desagradáveis – e não menos nefastas – manipulação e submissão ao status quo e à sociedade como um todo, que, de uma maneira geral, tende a ser um nadinha prejudicial ao indivíduo em particular e a cada um dos indivíduos em geral…

   E, claro, há um outro aspecto, não inteiramente desligado do da escala, que é o dos numeri clausi. É certo que, se os recursos são limitados e o ensino não é obrigatório, não se poderá, a priori, esperar que se consiga dar resposta a todos quantos queiram ingressar num dado curso (o que só quer dizer que talvez tenhamos de reequacionar as coisas de modo a que essa limitação de recursos não se verifique, ainda que, pessoalmente, não tenha razões para descartar completamente a possibilidade de as vagas limitadas também serem, em parte, deliberadas…); porém, o actual processo de selecção dos alunos do ensino superior também não me parece, de todo, admissível. Além de todos os problemas intrínsecos às avaliações e às notas, internas e externas, dos alunos, bem como do multifacetado choque entre estabelecimentos de ensino (inferior e superior) públicos e privados, temos aquele pequeno grande problema ideológico e filosófico de, em última análise, estarmos a impedir o acesso das pessoas ao conhecimento, o que, mais do que indesejável, é perigoso. Já para não valor dos sonhos destruídos… e do empolamento, nem sempre inteiramente verídico, nem sempre inteiramente devido, de alguns cursos em detrimento de outros, o que, em última análise, quase que equivale a dizer que há conhecimentos mais louváveis que outros – o que é, ou me parece ser, absurdo. Mais a mais, a existência de múltiplas estratégias para entrar, mesmo que por vias menos directas, no curso ambicionado (refiro-me maioritariamente às transferências internas, mas não me parece, de todo, impossível que existam outras, que o meu entendimento humano, intrinsecamente limitado, me não permite discernir) a modos que revela um certo carácter desnecessário do actual processo de candidaturas, já para não dizer mesmo ridículo.

   E talvez ainda pudesse dizer muito mais, mas temo estar a ser sobremaneira enfadonho. Mais do que o normal… Enfim, foi o que se arranjou, embora não possa deixar de pensar que vocês merecem melhor, caros leitores. E espero poder dar-vos essa entrada melhor um dia destes, mas, por agora, terei de ficar por aqui.

   Fiquem bem, contestem sempre e até à próxima entrada…