24 de outubro de 2015

Crítica da Associação (de Estudantes Im)Pura

   Há algum tempo, numa fase mais inicial deste blog, fiz uma entrada com este mesmo título, mas acabei por retirá-la, considerando que era, talvez, demasiado agressiva, demasiado crítica, demasiado ofensiva para aquilo que se pode considerar a minha potencial base de apoio para qualquer mudança que possa querer levar a cabo, para figurar aqui. Não tive, infelizmente, a presença de espírito suficiente para guardar uma cópia desse meu texto, e agora me arrependo disso. Não é que as condições em que me encontro, em termos de base de apoio, tenham sofrido grandes alterações, mas, por qualquer razão que fosse, senti hoje a vontade de voltar a abordar este mesmo assunto. E, por isso, assim farei. Independentemente das consequências.

   Começarei por deixar uma ressalva que, apesar de, segundo creio, já ter sido vagamente deixada nalguma outra entrada, é digna de voltar a ser referida: ao longo deste meu texto, os comentários e/ou críticas efectuados correspondem a generalizações, que, exactamente pelo facto de serem generalizações, poderão não se adequar àquilo que é a maioria dos casos (por os casos de que tenho conhecimento, e nos quais me baseio para extrapolar o que direi, não serem, se me permitem o palavreado estatístico, uma amostra representativa). Dir-me-ão que este seria um erro evitável, sobretudo se optasse pela não elaboração deste texto, até porque até há uns quantos casos (tudo bem, posso aventá-lo, mesmo sem ter conhecimento de factos que o comprovem) que se destacam pela positiva. Bom, não o posso negar. Mas, se a ideia fosse mesmo elogiar o que já existe, nunca teria feito um blog a criticar o actual sistema de ensino…

   Independentemente desta minha ressalva, e de tudo o resto que penso acerca das associações de estudantes, tenho de dizer que não posso, de maneira nenhuma, rejeitar o conceito de associação de estudantes; acaba por ser bastante positivo, bastante desejável. Tendo em conta que, no actual sistema de ensino (e, em certa medida, em qualquer sistema de ensino, incluindo os Mini-Ciclos de Leccionamento), ser estudante corresponde a uma ocupação quase a tempo inteiro (nos Mini-Ciclos um pouco menos, mas…) e implica lidar com um certo número de leis e regulamentos estatais, poder-se-ia afirmar que “estudante” corresponde a modos que a uma profissão como tantas outras (se bem que sem certos deveres e sem muitas regalias…); nesse sentido, será perfeitamente lógico que exista algum tipo de entidade responsável por defender os interesses da classe estudante, seja reivindicando melhores condições, seja alertando a administração pública para eventuais problemas, seja lutando para implementar um novo sistema de ensino. Em teoria, seria essa a função, e seria esse o propósito, de uma associação de estudantes. Só que, como de costume, entre a teoria e a prática ainda vai uma grande distância…

   E são várias as causas para isso. Mais flagrantemente, temos a atitude da juventude, que (se me permitem adoptar uma perspectiva um pouco intransigente e um nadinha careta) está muito mais focada na diversão, na farra e na borga nos momentos em que elas são possíveis, em vez de questionar circunstâncias e condicionalismos diversos que provocam exactamente as situações desconfortáveis que se tenta compensar através da borga (estou a falar de exames, testes, trabalhos e outros males afins). Ora, sendo as associações de estudantes compostas, na sua maioria, por jovens (conclusão fantástica e surpreendente, não é?), será lícito concluir que a tendência principal das associações é para organizar festas, viagens e outros eventos dessa natureza em vez de efectuar um grande esforço de contestação, deixando todos os erros do actual sistema de ensino por corrigir. Creio não estar errado nesta generalização…

   Em segundo lugar, e um pouco no seguimento do que referi mesmo agora, temos a atitude individualista e pragmática (perfeitamente justificável pela natureza humana, é certo, mas ainda assim indesejável) de se querer extrair o maior benefício possível do acto de andar na escola, eventualmente tramando outros colegas, abandonando totalmente qualquer pretensão de obter conhecimento em prol do objectivo de alcançar a média desejada para entrar no curso pretendido para desempenhar a profissão escolhida (riscar o que não interessa); em suma, vê-se o ensino como plataforma de lançamento para um futuro e não como elemento construtor desse mesmo futuro. Ora, esta atitude conduz a tudo menos à reflexão sobre como as coisas poderiam ser melhores (que originaria a contestação), e, sendo adoptada por uma boa parte dos jovens, estará, sem dúvida, representada nas associações de estudantes, que preferem relembrar todos os alunos de que devem estudar para os exames (e, eventualmente, de que são um momento determinante no seu futuro, ou outro facto semelhante) a questionar “não seria melhor se não houvesse exames nacionais?”

   Em terceiro lugar, é de se referir a dependência que há entre as associações de estudantes e as direcções das escolas em que se integram. É certo que, como elemento da comunidade escolar e todo o restante palavreado bonito que se costuma utilizar, as associações deveriam estar em contacto mais ou menos directo com as direcções, mas, quando se verifica que a associação está fisicamente (em termos das instalações providenciadas) e organizacionalmente (em termos das iniciativas e dos eventos autorizados) dependente da direcção, acho que se deve pôr um pouco em causa a possibilidade de as associações de estudantes representarem convenientemente os interesses dos alunos face aos da direcção, o que resulta, mais uma vez, numa diminuição da contestação. E isto para não conjecturar acerca dos possíveis benefícios pessoais (ao nível do desempenho escolar) que se podem obter ao defender a direcção em detrimento dos alunos. Mas, enfim… nem vale a pena ir por aí…

   Em quarto lugar, creio ser digna de referência (não por bons motivos, é claro) a intensa politização das associações de estudantes. São, se não estou equivocado, poucas as associações que, de uma maneira ou de outra, mais à esquerda, mais à direita ou mais ao centro, não estão ligadas a um partido (e/ou a uma juventude partidária). E, se é certo que isso é praticamente inevitável num sistema político democrático pluripartidário como o nosso, é igualmente certo que isso não é inteiramente positivo. Se, por um lado, a ligação a um partido providencia uma estrutura mais bem organizada para se coordenar eventuais esforços de contestação, essa ligação também acaba por submeter a associação aos interesses do partido, desvirtuando aquele que seria o seu propósito (como já disse, o de representar os alunos); pior ainda será quando o partido a que a associação está ligada forma governo, visto que será pouco provável que a associação conteste as medidas tomadas por esse mesmo governo. Além disto, esta politização das associações de estudantes também leva a que os eventuais dirigentes as tendam a ver como uma possível porta de entrada para a política e não como uma forma de melhorar as condições para si e para os restantes estudantes.

   Por fim, há mais um potencial problema de que padecem as associações de estudantes. Sendo as associações uma forma de organização permitida pela lei e pela sociedade, e sendo esta tendencialmente conservativa e auto-perpetuante (no que toca ao seu status quo), não me parece, de todo, impossível que as reais possibilidades de o normal funcionamento de uma associação de estudantes provocar alguma mudança sejam mínimas, dado que esse normal funcionamento corresponde ao que a sociedade definiu (e que terá, muito provavelmente, em vista a manutenção das regras, dos valores e das especificidades organizacionais que caracterizam essa sociedade). Podem acusar-me de estar a ser (vagamente) paranóico e anti-social, epítetos que, de resto, não posso rejeitar inteiramente, mas, de qualquer das formas, esta parece-me uma conjectura suficientemente plausível para aqui figurar.

   Bom, no fim destas minhas ruminações todas, se algum(a) leitor(a) se sentir ofendido (ou ofendida), tenho de deixar aqui a minha garantia de que não era a minha intenção ofendê-lo (ou ofendê-la) em particular. Num certo sentido, era, de facto, ofender, mas ofender muito genericamente, era chocar (muito ligeiramente), era captar as atenções e deixar aqui este apelo: não se deixem levar pela ideia de que cooperar com o status quo, daí obtendo benefícios, é a melhor forma de viver; o status quo quer manter-se a si e não manter-vos a vocês e, por isso, e tiver de vos passar por cima, fá-lo-á com a mesma implacabilidade quer o tenham ajudado, quer não; assim, mais vale arriscarem a mudança, mais vale tentarem melhorar o que está errado, até porque o pior que vos pode acontecer (a morte) é consequência intrínseca e inevitável da condição humana; assim, mais vale o esforço de corrigir os erros perpetuados pelo status quo: pelo menos, sempre há a hipótese de melhorarem as coisas, para vocês, para os vossos descendentes, para os outros, para todos.

   Despeço-me assim, deixando-vos estas palavras (vagamente demagógicas e insuficientemente inspiradoras) e o espaço de comentários, agora e sempre à vossa disposição…

10 de outubro de 2015

Uma Aproximação das Aulas à Distância

   Sei que hoje adoptei um tema relativamente insignificante e muito pouco mediático, mas, ainda assim, não deixa de ser uma adição mais ou menos relevante àquilo que é a minha ideia principal. Como o título revela logo, trata-se, exactamente, da prática que podemos designar “aulas à distância”.

   É do meu conhecimento (e creio que também do da maioria das pessoas) que é usual, sobretudo nos países do Norte da Europa, haver períodos de tempo em que os alunos frequentam as aulas por meios electrónicos, visto não se poderem deslocar fisicamente a um estabelecimento de ensino, por motivos predominantemente climáticos (leia-se grandes nevões que deixam as suas casas praticamente inacessíveis). No caso particular do nosso país, não se verificando, de uma maneira geral, fenómenos meteorológicos tão extremos (ainda que, em terras mais a Norte, não deixe de haver nevões), e sendo o grau de desenvolvimento (bastante) menor, o ensino ainda se encontra muito dependente do espaço físico correspondente à escola, com algumas excepções (apresenta-se-me o caso das crianças e dos jovens ligados às artes circenses, que, se não estou equivocado, frequentam as aulas na escola mais próxima, mudando de escola à medida que o circo muda de sítio).

   Mas, convenhamos, isso não é tão mau assim. Em última análise, surgem sempre algumas dúvidas que só são bem esclarecidas (se me permitem o galicismo) tête-à-tête, e também só se consegue apoiar bem um aluno na realização de exercícios se se estiver em contacto com ele durante essa realização; assim, seria desejável que o aluno pudesse comunicar directamente, em tempo real, com o professor, sem se interpor a eventual barreira da escrita à colocação de dúvidas e respectivo esclarecimento. Só que, claro, já há hoje em dia serviços de videochamada/videoconferência gratuitos e bastante eficazes, o que significa que isto não pode constituir uma razão para descartarmos as aulas à distância.

   Mas, de qualquer das formas, como, no actual sistema de ensino, a liberdade de escolha dos alunos é mínima (estando limitada às poucas disciplinas de opção existentes, e mesmo estas estão condicionadas pela oferta formativa da escola), será lícito admitir que todos os alunos, de uma maneira geral, têm um bom acesso ao conhecimento que se lhes pretende transmitir. À excepção, claro, dos alunos cuja escola foi encerrada e/ou que transitaram para um nível de ensino superior àquele a que corresponde a escola mais próxima, que têm, portanto, de sair cedíssimo de casa e chegar tardíssimo a casa, por ser esse o horário do transporte escolar a que têm acesso. Mas, enfim… não convém dar muita relevância a isto, porque são peanuts, como parece que agora se costuma dizer. Afinal, somos um país desenvolvido… ou pretendemos sê-lo… e não há coisas dessas num país desenvolvido… Enfim. Tudo isto (e toda esta ironia) para dizer que, casos excepcionais à parte, não parece haver, no âmbito do actual sistema de ensino, grande necessidade de aulas à distância.

   Então, se assim é, para que é que estou para aqui a escrever isto tudo? Bem, permitam-me explicar as minhas razões: nessa minha frase anterior, o elemento central não é, a meu ver, a parte de “não parece haver (…) grande necessidade de aulas à distância”, mas sim a de “no âmbito do actual sistema de ensino”. E, por esta altura, os meus leitores já sabem o que penso acerca do actual sistema de ensino: funciona mal, está mal organizado, deveria ser reformulado, deveria ser substituído por um novo paradigma, nomeadamente aquele a que gosto de chamar Mini-Ciclos de Leccionamento (ou “minha ideia principal”, conforme a minha inspiração). Sei que já o disse antes, mas não me canso de o repetir, pois é a minha mais profunda crença que esta mudança seria indiscutivelmente para melhor. Por isso, acho que não vale muito a pena avaliarmos as coisas à luz do que o actual sistema de ensino as obriga a ser, mas sim de como seriam quando (abster-me-ei de dizer “se”) se der o caso de os Mini-Ciclos de Leccionamento terem sido implementados.

   Então, tendo em conta a maior liberdade que este novo paradigma conferiria aos alunos, poder-se-ia dizer que surge o novo problema (ou seria exacerbado o problema que apenas se manifesta no caso de algumas disciplinas de opção) de o aluno desejar frequentar um dado módulo que, nesse momento, não está a ser leccionado em nenhuma escola nas imediações; é certo que esta nova organização do sistema de ensino lhe permitiria aguardar, sem grande prejuízo para a aquisição de outros conhecimentos (à parte eventuais conhecimentos dependentes do módulo não leccionado), até que se voltasse a leccionar o módulo desejado, mas poderia dar-se o caso de haver módulos que apenas seriam pretendidos por um número muito reduzido de alunos, mesmo a nível nacional, fosse pela sua especificidade, fosse pela sua dificuldade, fosse, a bem dizer, pela sua insignificância (é certo que todo o conhecimento é importante, mas não podemos negar que há algum conhecimento que tem mesmo muito pouca relevância…). Em qualquer dos casos, sei que incorporei na minha ideia a ressalva de que todos os módulos fossem leccionados num raio de 25km e num período máximo de dois meses, mas esses números, além de grandemente artificiais e maioritariamente exemplificativos, poderiam não corresponder, sobretudo num caso em que haja, por hipótese, menos de 20 alunos interessados a nível nacional, a uma boa gestão de recursos.

   Nesse sentido, afigura-se-me que a melhor opção seria mesmo recorrer-se a algum tipo de aula à distância, pondo um professor localizado onde quer que fosse em contacto com os alunos dos quatro cantos do país, de modo a que lhes possa transmitir os conhecimentos em causa, esclarecer as dúvidas, ajudar na resolução dos exercícios… E tudo isto ocorreria, como é óbvio, através de algum tipo de videochamada. Assim, seria possível a todos os alunos adquirir qualquer conhecimento que fosse, independentemente dos desejos dos restantes alunos da região circundante, e sem obrigar propriamente a um grande desperdício de recursos. Além disso, tendo em conta que, neste novo sistema de ensino, não haveria testes, nem exames, nem momentos formais de avaliação desse género, a situação dos alunos distantes da escola (ainda que apenas possa ser verdadeiramente resolvida já no plano sócio-político-económico, que foge, portanto, ao âmbito deste blog e da acção de qualquer sistema de ensino) seria bastante menos grave, visto que lhes bastaria possuírem equipamento informático e acesso à Internet para, através das aulas à distância, adquirirem quaisquer conhecimentos que pudessem desejar.

   Não posso, no entanto, negar que um sistema de ensino como o que proponho implicaria a resolução correcta de exercícios, de modo a aferir se o conhecimento que se pretende aprender foi, de facto, adquirido, e que essa realização, fora de um estabelecimento de ensino, pode levar a fraudes, mas, por um lado, sendo os exercícios vocacionados para o raciocínio (pois é preponderantemente este que se transmite), torna-se difícil cabular, e, por outro lado, mesmo no actual sistema de ensino (e até mesmo no interior dos estabelecimentos de ensino!) há fraudes, pelo que não me parece lícito que essa eventualidade, por si só, constitua um verdadeiro impedimento da adopção dos Mini-Ciclos de Leccionamento e das aulas à distância.

   Já agora, gostaria, igualmente, de fazer referência ao facto de, sendo os conhecimentos adquiridos mais ou menos separadamente, situações como as dos artistas circenses, que frequentam (no actual sistema) várias escolas ao longo do ano, ficando sujeitos a múltiplas perspectivas pedagógicas que conduzem, apesar disso, a uma avaliação global, tendo de repetir e/ou saltar matéria à medida que passam de uma escola para outra, deixariam de existir. E, de qualquer das formas, poderiam sempre recorrer às aulas à distância, de modo a frequentarem todos os módulos que quisessem, independentemente dos que estariam disponíveis a nível local.

   Assim, e depois desta argumentação toda, sinto que a minha convicção (que já era forte) em como os Mini-Ciclos de Leccionamento poderiam eliminar uma boa parte dos erros e incongruências do actual sistema de ensino ficou agora fortalecida pela conclusão de que permitirão, se a eles se juntarem as aulas à distância, melhorar outros aspectos que, embora não decorrendo directamente do sistema de ensino, ainda têm alguma influência, mais que não seja na sua eficácia. Uma outra possibilidade que me surgiu agora mesmo, e que achei por bem registar aqui, foi a de, num futuro mais ou menos longínquo, uma grande maioria das aulas ocorrer à distância, o que, se considerarmos (conforme a minha fundamentação metafísica do propósito da escola) que o propósito do sistema de ensino é transmitir conhecimentos racionais e não sócio-emocionais (sendo que estes, a meu ver, obrigarão muito mais a um contacto directo, presencial, e, por isso, não poderão ser transmitidos à distância), tem pouco ou nenhum impacto na eficácia da transmissão dos conhecimentos e pode mesmo afectar muito positivamente a sua eficiência. Mas isto, claro, não é, nem deve ser, um aspecto integrante dos Mini-Ciclos de Leccionamento ou da minha perspectiva das aulas à distância; é apenas, e só, um curto exercício de futurologia, que, como todos os outros, tem bastantes hipóteses de estar errado, e que, talvez, até nem se enquadre propriamente no âmbito desta entrada. Em todo o caso, está dito, ou melhor, está escrito, seja o que for que desse facto possa advir.

   Terminarei, como sempre, com a ressalva de que os leitores têm à sua disposição o espaço de comentários. Um bom fim-de-semana a todos.