13 de junho de 2015

O Negócio do Ensino

   Antes que os leitores perguntem, respondo já: não, não decidi, neste (não assim tão longo) intervalo, transformar este blog num blog de negócios. Assim, e ao contrário do que o título poderia fazer pensar, esta entrada não se prende com dicas para enriquecer através do ensino; prende-se, em vez disso, e como de costume, com um conjunto de críticas ao actual sistema de ensino, desta feita motivadas por todos os interesses económicos que, directa e indirectamente, acabam por condicionar a vida a milhares (atrever-me-ia a dizer milhões) de estudantes portugueses. Mas, antes disso, e antes que me esqueça, gostaria de apresentar as minhas mais sentidas condolências a todos os estudantes que estão condenados a realizar esses ignóbeis e abjectos actos burocráticos a que se costuma chamar exames nacionais. Ainda não me desapareceu a esperança de que o boicote aos exames nacionais ao qual já apelei se concretize, mas, até ver, ainda haverá exames. Mas estou a contar convosco para alterar esse facto…

   Bom, passando, agora, àquele que é o tema que escolhi para esta entrada, creio que dificilmente se poderá negar que o actual sistema de ensino está dependente da conjuntura sócio-político-económica. Isso é certo e sabido, e mais, é inevitável na actual organização social. Mas o principal problema (que, por acaso, também resulta da actual organização social) é que esses mesmos factores sócio-político-económicos dominam (em vez de apenas o influenciarem) o actual sistema de ensino, condicionando-o e deturpando-o até ao ponto de deixar de ter o propósito de transmitir conhecimentos e passar a ter como objectivo originar o maior lucro possível para um conjunto de empresas e pessoas. Que, diga-se de passagem, é praticamente o que se passa agora.

   Em primeiro lugar, temos aquele, que, para mim, é um dos principais lobbies: o das editoras. Pois é certo que uma boa parte dos manuais (e qualquer aluno concordará comigo) tem mais “palha” do que informação propriamente útil, por vezes complicando as coisas que deveria simplificar e simplificando o que deveria ser explanado mais aprofundadamente. E não são assim tão poucos os casos de erros, incoerências e imprecisões, quer em termos científicos, quer em termos gramaticais, em manuais escolares (admito que o processo de elaborar um manual escolar é longo e moroso e a natureza humana é mais do que falível, mas a existência de revisores e de consultores científicos, creio eu, implicaria que a maioria dos erros seriam eliminados).

   Assim, afigura-se-me que muitos dos manuais são feitos mais para serem vendidos do que propriamente para transmitir conhecimento (algo que, de qualquer das formas, seria um pouco difícil neste actual sistema de ensino), algo reforçado pelo facto de os manuais terem de ser trocados periodicamente (bem sei que os actuais seis anos correspondem, em determinadas áreas, a um período de tempo demasiado longo para manter a actualidade dos conteúdos, mas, noutros áreas, tal já não é assim), limitando e impedindo a partilha de manuais entre membros da mesma família. Já para não falar dos livros de exercícios, e de preparação para testes, e de preparação para exames, e de preparação para o fim do mundo, que, mesmo que potencialmente úteis, constituem mais uma forma de as editoras se aproveitarem do receio e da eventual insegurança dos alunos relativamente aos momentos de avaliação.

   O que proponho, para este aspecto das editoras, já está contido na minha ideia principal: a existência de uma plataforma on-line (como já as há, mas desta feita uma plataforma estatal, não subordinada a uma editora em particular) contendo toda a matéria e vários exercícios; eventualmente, poder-se-ia pagar uma taxa para ter acesso a ela (mas nunca valores da ordem daqueles que actualmente se pagam para aceder a essas plataformas), mas toda a matéria seria actualizada com a maior regularidade possível e quaisquer erros poderiam ser eliminados quase de imediato.

   Mas, se o único lobby fosse o das editoras, não seria um grande problema (mais a mais porque o lucro destas permite, por exemplo, que se continuem a publicar livros, incentivando a literatura e, portanto, a cultura). Mas a questão é que não é o único lobby. Há outro bastante significativo: o das escolas privadas. Admito que seja possível (apenas possível…) que providenciem uma formação mais aprofundada e mais cuidada do que o ensino público, mas é certo que não são assim tão poucas as pessoas (e creio que praticamente toda a gente sabe disso) que recorrem ao ensino privado como forma de ter melhores notas para entrada na Universidade (ensino secundário privado) ou entrar na Universidade com piores notas (ensino superior privado).

   Assim, convém perfeitamente às escolas privadas que o actual sistema continue, com as médias de entrada na Universidade a restringirem (nem sempre de uma forma lógica e racional, nem sempre de acordo com o que seriam as necessidades do país) a liberdade na escolha de um futuro, levando, portanto, aqueles que têm uma ideia bem definida acerca do caminho que pretendem na vida (mas a quem não é dada a possibilidade de escolheram esse caminho) a ingressar no ensino privado, trazendo lucros aos donos dessas instituições. É certo que, apesar disto, haverá casos em que a instituição de ensino privado não é assim tão interesseira e se preocupa mesmo com os seus alunos, mas o (parco) conhecimento que tenho da natureza humana leva-me a presumir que os casos mais abundantes serão os da procura desenfreada do lucro.

   E, já que mencionei as Universidades, não posso deixar de as apontar como mais um lobby no ensino. Poder-se-ia dizer que o ensino superior representa um grau académico (como o nome o indicia) superior, mas é da minha convicção que uma parte assim não tão insignificante dos conhecimentos ministrados constitui uma mera revisitação dos conhecimentos anteriormente aprendidos (ou melhor, dos anteriormente leccionados…), sem aprofundamentos de maior. Além disso, a existência das médias de entrada constitui simultaneamente um critério de elitização do conhecimento, algo que, a meu ver, é altamente indesejável (por ter tendência a formar grupos restritos que acabam por constituir lobbies, que acarretam tantas consequências negativas…), e, pior do que isso, um falso critério de elitização do conhecimento, por a média de entrada poder estar inflacionada (como já referi quando falei do ensino privado) e por uma alta média de entrada não implicar directamente que o aluno adquiriu na sua quase totalidade o conhecimento que lhe foi leccionado nem que adquirirá grande parte do conhecimento que lhe será leccionado.

   E o facto de se cobrarem propinas (que, admito, podem ajudar a completar o orçamento muitas vezes muito empobrecido das Universidades, mas que, ainda assim, acabam por lhes conferir certas propriedades de negócio) dificulta a vida a muitos estudantes, quer por lhes limitar a possibilidade de frequentarem a Universidade (mesmo tendo em conta as bolsas de estudo, que dificilmente se poderia dizer cobrirem tudo), quer por os obrigar a trabalhar em conjunto com os estudos (afectando negativamente as suas capacidades de aprender), quer por implicar um endividamento que lhes dificultará o futuro. Assim, e apesar dos seus potenciais benefícios, as Universidades também têm um pendor económico muito mais preponderante do que o que normalmente se lhes atribui.

   Neste caso das Universidades, as questões que refiro poderiam ser resolvidas através da implementação dos Mini-Ciclos de Leccionamento que já propus repetidas vezes, já que as matérias que hoje se consideram fazer parte do ensino superior constituiriam um progresso natural de outras matérias anteriores. Isto está melhor explicado naquela que múltiplas vezes referi como sendo a minha ideia principal.

   Falta-me referir mais um aspecto bastante importante, não tanto por constituir um lobby poderoso, mas mais por constituir mais um interesse económico fundado em torno do ensino: o das explicações. É certo que os esclarecimentos e os apoios adicionais são bastante úteis a muitos alunos, nem sequer contestarei isso, mas serei eu o único a considerar a existência de um ligeiro conflito de interesses quando a maioria dos explicadores são igualmente professores, por vezes até na mesma escola dos alunos a quem dão explicações? E é difícil não considerar que, de certa forma, estas explicações constituem mais uma forma de se explorar o receio e a insegurança dos alunos (e, mais comummente, dos seus pais) para se obter lucro.

   Este é o único problema para o qual não tenho propriamente solução (pelo menos por agora), sobretudo porque, a meu ver, é relativamente marginal em comparação com os outros (e porque nenhum sistema de ensino permitiria eliminar completamente situações deste tipo). Se puder, em breve, apresentarei qualquer ideia que me surja relativamente a isto.

   Enfim. Creio já me ter alongado de mais, e, ao mesmo tempo, receio ter sido pouco elucidativo. Se se der o caso de a primeira hipótese ser correcta, apresento as minhas desculpas a quaisquer leitores que tenham ficado incomodados com isso (mas, provavelmente, esses nunca chegarão a ler até aqui…); se for a segunda hipótese, volto a deixar bem claro que o espaço de comentários fica à disposição de todos os leitores, pelo que podem perguntar (e, se assim o entenderem, criticar) à vontade.