19 de outubro de 2014

Uma Análise aos Trabalhos de Casa

   Como os leitores já devem ter reparado, volto, uma vez mais, à carga. E, desta vez, abordo um assunto com bastante impacto na vida de um aluno, sobretudo na de todos aqueles que frequentam o Ensino Básico. Sim, o título estraga sempre o suspense: os trabalhos de casa.

   Os leitores mais perspicazes (e/ou os que tenham lido todo este blog com muita atenção) talvez já tenham intuído, a partir das ideias que aqui costumam estar expressas, qual a minha opinião acerca deste assunto: sou contra os trabalhos de casa. Ou, pelo menos, contra os trabalhos de casa na maioria dos contextos em que se apresentam. Mas, antes que seja lapidado, tenho de dizer que esta opinião não é só minha; alguns psicólogos (não me arriscaria a dizer a maioria) são da opinião de que os trabalhos de casa são indesejáveis e praticamente inúteis (as palavras são minhas, não deles), porque, por um lado, constituem uma tarefa e uma imposição que os alunos realizam apenas por a realizar, não retirando nenhum proveito em termos de aprendizagem, e, por outro lado, representam uma perda de um tempo livre por si só já bastante reduzido, que é, e não se o pode negar, essencial e fundamental para a manutenção da saúde mental de qualquer pessoa (ainda que os benefícios dessa manutenção da saúde mental sejam discutíveis…) e também para a convivência familiar. A minha voz junta-se, neste aspecto, à deles, ainda que a deles tenha tido pouco ou nenhum efeito, e que a minha voz nada contribua para alterar as coisas. Mas pronto. Temos de criticar, e criticaremos. Adiante…

   Porque surgem os trabalhos de casa? Bom, eventuais justificações pedagógicas à parte (que, de qualquer forma, poderiam ser alvo de debate, dado que, conforme refiro antes, os alunos poderão não aproveitar essa faceta pedagógica) parece-me que os trabalhos de casa surgem como uma forma de os professores prescreverem os exercícios que, por qualquer razão, não foram sequer começados na aula (e que o deveriam ter sido), no (presumivelmente bom) intuito de consolidar a matéria, e, ao mesmo tempo, como instrumento de certa forma punitivo ou repressivo, no sentido em que, por vezes, pode haver ameaças como “Ou estão quietos ou levam mais trabalhos de casa!”, ou, então, situações como “Portaram-se mal, não foi? Então levam vinte páginas de exercícios para amanhã!” (exagero, claro, mas apenas para providenciar uma certa matiz cómica ao meu texto, ainda que sabendo que não o consegui…). Há mais uma hipótese, mas falarei dela em breve, porque primeiro prefiro fazer a análise destas duas.

   Ora bem, a segunda situação, embora às vezes necessária (não posso negar que há alunos… bom… indisciplinados…), peca por ser injusta para com aqueles que não contribuem para a confusão (que, reconheço, podem não ser muitos, mas, ainda assim, são dignos de respeito e de justiça); assim sendo, podemos considerá-la indesejável, e, portanto, podemos considerar que os trabalhos de casa resultantes dessa situação são indesejáveis. Quanto à primeira, consigo ter simultaneamente duas opiniões, uma vagamente em conflito com a outra; por um lado, tal pode acontecer por o professor se preocupar com os alunos, pensando que aqueles exercícios são essenciais à compreensão da matéria, e, portanto, é um acontecimento desejável; mas, por outro lado, poder-se-á considerar que não passam de uma forma de “descargo de consciência” e de cumprimento de um dever por parte do professor, no sentido de “tem de se fazer estes exercícios; não se pôde fazer na aula, logo, faz-se em casa”, constituindo, por isso, um acontecimento indesejável. Parece-me, no entanto, que esta segunda hipótese é a mais recorrente, e, por isso, estes trabalhos de casa são, na maioria dos casos, indesejáveis.

   Em todo o caso, a terceira hipótese, que tanto tempo demorei a enumerar, é uma situação em que o professor pede aos alunos que realizem um dado conjunto de exercícios, num a parte mais para o final da aula, mas, por esta ou aquela razão, houve uns quantos exercícios (poucos) que não se pôde concluir em tempo útil. Nesta situação, acho perfeitamente lógico e razoável pedir a conclusão dos mesmos em casa, desde que esse pedido não constitua uma perda mais ou menos significativa do tempo livre (ou seja, nada dentro do género de o professor pedir que se faça vinte exercícios, potencialmente com alíneas, a cinco minutos do final, e, para casa, ficarem dezanove).

   Mas, situações e justificações à parte, e sem querer entrar muito pelos caminhos para mim mais ou menos desconhecidos da psicologia, não me parece que os trabalhos de casa tenham uma componente pedagógica assim tão significativa; conforme já o expressei antes, pela natureza intrínseca aos trabalhos de casa, os alunos acabam por os ver como uma imposição, como um trabalho, como mais uma tarefa a realizar, e, por isso, tentam terminá-los o mais rapidamente possível (para não falar dos casos em que se limitam a copiar por outros ou pelas soluções de alguns manuais…). Assim sendo, acabam por falhar o seu propósito. Por exemplo, como se poderia pensar que escrever cinquenta vezes a numeração romana de 1 a 100 seria benéfico para a aprendizagem? Os que já interiorizaram o raciocínio são obrigados a desempenhar uma tarefa quase maquinalmente; os que ainda não o interiorizaram muito provavelmente não o conseguirão interiorizar, e ficarão tão entediados quanto os primeiros. Muitos mais exemplos se poderiam dar, mas acho que este é suficiente. E é assim que chegamos ao ponto de partida: os trabalhos de casa são praticamente inúteis, e, portanto, só deveriam existir num leque muito restrito de contextos. É isto.

   Já antevejo um contra-argumento a formar-se: há disciplinas onde só praticando é que se atinge a perfeição, e por isso, pelo menos nessas deve haver trabalhos de casa. Sim, tenho de deixar essa possibilidade em aberto; no entanto, não posso deixar de considerar que essa quantidade de prática não é, nem pode ser, igual para todos os alunos, razão que me leva a remeter essa prática para o domínio do “Trabalho Autónomo”, conforme é designado oficialmente (julgo eu). Ou seja, se o aluno ainda não entende propriamente a matéria, é do seu dever encetar os esforços para o fazer, seja perguntando ao professor, seja lendo livros, seja fazendo exercícios, seja fazendo uma qualquer combinação das três. Mas também não posso deixar de dizer que nem sempre isso pode ajudar à compreensão…

   Enfim, já me alonguei demasiado e talvez já tenha perdido o fio à meada, se me permitem a expressão popular. Assim, vou limitar-me a desejar mais uma boa semana de trabalho (se é que há boas semanas de trabalho…) aos leitores, e a deixar o convite para comentarem mais esta entrada.

3 comentários:

  1. Estive, recentemente, a reler este meu texto, e apercebi-me de que me esqueci de fazer referência a mais um facto neste âmbito dos trabalhos de casa: como se pode considerar que são um elemento assim tão importante do ensino, se, em muitos casos (talvez não na maioria), nem sequer são corrigidos? Era só isso que queria dizer.

    (Não tenho muito tempo, e, por isso, não me adiantarei mais.)

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  2. E os alunos que não têm qualquer interesse pela escola? São deixados à toa para o que der e vier? Sou estudante universitário e, apesar de não ter gostado de fazer os ditos TPC's, tenho de admitir que em grande parte das disciplinas me ajudaram a perceber melhor a matéria e a cumprir com os prazos estipulados para os testes já que começava a estudar mais atempadamente.
    Não pode partir do princípio que todos os pais ajudam os filhos na escola ou que estes já têm curiosidade perante tudo e que querem ter boas notas. A grande maioria dos pais ou dos alunos (se não todos) estão se "nas tintas" para a escola, estes trabalhos para casa servem para que o professor possa ajudar os alunos a perceber a matéria e não é uma tarefa penosa tal como introduz no tema...
    Não faço ideia o que é um professor não corrigir os TPC's portanto não posso comentar isso, uma vez que como pode perceber é raro e tem de ser feito queixa a uma autoridade superior.
    Portanto parem lá de fumar coisas estranhas que apesar de os TPC's serem algo que pode tirar tempo livre, no futuro ajuda...

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    1. Caro João,

      Em primeiro lugar, tenho de fazer uma pequena ressalva: por qualquer razão que fosse, fez comentários repetidos e, por isso, eliminei um deles, porque faz pouco sentido haver dois comentários iguais… Espero que entenda.

      Bom, em relação ao que diz, é certo que os trabalhos de casa podem ser uma forma de captar a atenção dos alunos menos interessados, mas também são uma forma de a perder. Se, no seu caso particular, o ajudou ter essa obrigação, também há casos em que essa mesma obrigação pode ser a proverbial “gota de água” que leva os alunos a pura e simplesmente desistirem, a deixarem de gostar da escola, porque só lhes vai complicar mais ainda um horário muitas vezes bem preenchido (e, ao contrário do que se passa no Ensino Superior, praticamente inescapável…).

      Mas, mais do que isso, considero que dizer que os trabalhos de casa são uma forma de estimular o interesse e a dedicação dos alunos é um pouco desajustado… Se é certo que nem todos os alunos têm grande vontade de se dedicarem inteiramente a aprender, também é certo que isso não é só culpa dos alunos. Diria que há que responsabilizar a própria organização do sistema de ensino, que torna o acto de aprender uma tarefa, uma imposição, um… castigo, enfim, e não uma coisa que os alunos queiram fazer. Por isso, é mais do que natural que haja desinteresses.

      E diria mais ainda que essa visão negativa do acto de aprender provém precisamente do facto de esse mesmo acto trazer consigo, na actual organização do sistema de ensino, uma grande dose de imposições desagradáveis (nomeadamente os instrumentos de avaliação – testes e exames –, e também os trabalhos de casa), que poucos ou nenhuns alunos quererão levar a cabo, e que, por isso, os levam a rejeitar aprender.

      Tendo, portanto, tudo isto em conta, diria que dizer que os trabalhos de casa são bons porque ajudam os alunos a estudar melhor para os testes é mais do que falacioso; pelo menos, para mim, o actual paradigma de ensino não é desejável, pelo que afirmar que os trabalhos de casa são desejáveis porque ajudam a executar uma das principais tarefas desse mesmo paradigma faz pouco sentido.

      Mas, enfim, o João terá a sua opinião e eu terei a minha… Somos e seremos sempre livres de discordar… Só convirá dizer que, no que toca a fumar coisas esquisitas, nunca o fiz (que eu saiba), pelo que seria escusado esse argumento ad hominem…

      Com os melhores cumprimentos,
      NSF

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